O Lúdico no Desenvolvimento, Cognição e Aprendizado Musical Infantil

O brincar é parte essencial da vida da criança e necessário para seu aprendizado. Hoje a neurociência nos mostra que para que o cérebro aprenda de forma eficaz, a motivação e a estimulação precisam estar presentes. No lúdico encontramos ambiente favorável para se criar esta motivação e estímulo necessários. Através do brincar podemos “tocar” a emoção, provocar o movimento, estimular a relação.Psicopedagogos do desenvolvimento e diversos pedagogos musicais já nos mostraram, em seus estudos, a importância do lúdico no aprendizado e o quanto o movimento, o corpo e o jogo auxiliam e preparam o indivíduo para a aquisição de conceitos musicais. O objetivo foi verificar se jogos e brincadeiras facilitam a aquisição do conhecimento musical. Para isso, buscou-se descrever as fases de desenvolvimento e aprendizado infantil, expor algumas pedagogias musicais assim como descobertas da neurociência que auxiliam neste processo. A proposta deste trabalho foi realizar uma pesquisa descritiva fundamentada na revisão bibliográfica sobre a importância do lúdico no aprendizado musical. Conclui-se que as atividades lúdicas realmente contribuem no processo de ensino-aprendizagem musical e saber desta influência auxilia educadores em um planejamento de aulas sistematizado e mais eficaz.

Palavras chave: Lúdico; Ensino-aprendizagem; Educação musical.

INTRODUÇÃO

 

A diversão é parte essencial no desenvolvimento da criança. Tão importante que éreconhecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu CapítuloII, Art. 16 (IV), bem como pela Convenção sobre os Direitos da Criança em seu artigo 31.

O brincar é expressão natural da criança e através dele, os pequenos se desenvolvem emocionalmente, socialmente, cognitivamente. De acordo com VALÉRIO (2016), brincando a criança se relaciona com o que encontra à sua volta, se relaciona consigo mesma e com aqueles que estão próximos.  “É importante frisar que o brincar e o jogar não se resumem apenas a formas de divertimento e de prazer para a criança, mas são meios privilegiados dela expressar os seus sentimentos e aprender”(VALÉRIO, 2016).Um brincar que é mais que um simples momento de diversão, mas um tempo privilegiado de aprendizado.

Por meio da brincadeira a criança interioriza as experiências vividas e desenvolve o raciocínio, a imaginação, a criatividade, a socialização. Enfrenta desafios e é capaz de superar medos. Consegue elaborar conflitos internos, ansiedades e angústias; trabalha frustrações e aprende a perder e a ganhar; aprende ainda a lidar com sentimentos desenvolvendo equilíbrio e a personalidade. O jogo transforma o momento da aula em algo mais leve, tirando o peso e a responsabilidade de se absorver determinado conteúdo (VALÉRIO, 2016).

Em sua pesquisa MAFRA (2008, p.04) nos fala que “Jogos e brincadeiras são estratégias metodológicas que permitem que o aluno desenvolva suas habilidades cognitivas além de facilitar a construção do conhecimento.”

Pedagogos do desenvolvimento e aprendizagem como Piaget, Wallon, Vygotsky e pedagogos musicais como Dalcroze, Orff, dentre outros, acreditam que por meio do jogo, do corpo e do movimento, conceitos musicais são melhor absorvidos.

Diante das afirmações de alguns estudiosos fica a pergunta:  O que a literatura sobre neurociência e educação musical diz sobre as vantagens das atividades musicais lúdicas para um melhor aprendizado infantil?

Objetivo Geral

 

Verificar se brincadeiras e jogos auxiliam no processo de ensino-aprendizado musical.

 

Objetivos Específicos

 

– Descrever as fases de desenvolvimento e aprendizagem infantil segundo pedagogos da educação.

 

– Apresentar a pedagogia musical e seus processos de aprendizagem.

 

– Indicar como a Neurociência aplicada à educação musical auxilia no processo de aprendizado.

 

METODOLOGIA

 

Este trabalho será desenvolvido enquanto uma pesquisa descritiva através de uma revisão bibliográfica sobre o tema proposto.

Baseada nestas teorias, em bibliografia existente e em experiências próprias, este trabalho vem apresentar a influência que as brincadeiras e jogos exercem em um aprendizado mais dinâmico, alegre e eficaz.

 

1.      FASES DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

 

Há uma infinidade de teorias sobre o desenvolvimento infantil. Cada pesquisador desenvolveu seu trabalho a partir de determinado ponto de vista. Neste estudo focaremos o desenvolvimento infantil a partir de uma teoria sócio interacionista, onde as crianças são, de certa forma, autoras de seu processo de conhecimento (FELIPE, 2009. p. 27)

Piaget, Vygotsky e Wallon tentaram mostrar que a capacidade de conhecer e aprender se constrói a partir das trocas estabelecidas entre o sujeito e o meio. As teorias sócio interacionistas concebem, portanto, o desenvolvimento infantil como um processo dinâmico, pois as crianças não são passivas, meras receptoras das informações que estão à sua volta. Através do contato com seu próprio corpo, com as coisas do seu ambiente, bem como através da interação com outras crianças e adultos, as crianças vão desenvolvendo a capacidade afetiva, a sensibilidade e a autoestima, o raciocínio, o pensamento e a linguagem. A articulação entre os diferentes níveis de desenvolvimento (motor, afetivo e cognitivo) não se dá de forma isolada, mas sim de forma simultânea e integrada. (FELIPE, 2009. p. 27)

Partindo desta teoria sócio interacionista, vamos conhecer um pouco de cada um destes teóricos.

 

2.1 – Jean William Fritz Piaget (1896 – 1980)

Ao contrário do que se pensa, Piaget nunca foi pedagogo, embora quase tenha se tornado “sinônimo de pedagogia”. Epistemólogo e psicólogo suíço, dedicou sua vida a uma observação científica rigorosa sobre o processo de aquisição do conhecimento humano, principalmente das crianças. (FERRARI, 2008).

Segundo Cavicchia (2010), Piaget iniciou seus estudos orientado por uma pergunta que o acompanhou por toda a vida: “Como o ser vivo consegue adaptar-se ao meio ambiente?” A partir daí chegou às suas principais ideias que foram a da adaptação biológica e dos fatores normativos do pensamento.

A adaptação biológica de todo organismo vivo, assim como toda conquista intelectual, se faz através da assimilação de um dado exterior, no sentido de transformação. O conhecimento não é uma cópia, mas uma integração em uma estrutura mental preexistente que, ao mesmo tempo, vai ser mais ou menos modificada por esta integração (…) os fatores normativos do pensamento correspondem às relações, às necessidades de equilíbrio que se observam no plano biológico. (Cavicchia 2010, p.2)

Suscitar o conhecimento, motivar, estimular. De acordo com Ferrari (2008), para Piaget, o conhecimento vem daquilo que a criança pode vir a se tornar e não daquilo que ela já é. Este conhecimento resulta de transformações que ocorrem entre o meio e o indivíduo e “essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer.” (Cavicchia, 2010)

Piaget aponta que “existe uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer”. (TERRA, 2009. p. 2) que se dá através de um “processo de equilibração” que nada mais é que o processo de construção do conhecimento. Este conhecimento não nasce com o indivíduo, tampouco depende de suas experiências vividas, mas se constrói na medida em que o sujeito se sente em desequilíbrio e busca então uma adaptação a ele. (FERNANDES, 2011).

O processo de adaptação, ou seja, a troca entre o indivíduo e o meio, que posteriormente passou a se chamar de processo de equilibração se subdivide em dois aspectos: assimilação e a acomodação. (TERRA, 2009)

De acordo com Terra (2009), a assimilação é a busca do sujeito para resolver determinada questão a partir dos processos cognitivos que já possui. É um buscar da realidade e um adaptar-se a ela; uma tentativa de equilíbrio entre a experiência encontrada e os esquemas já estruturados. Já a acomodação é a capacidade de modificar a estrutura mental existente para absorver o novo conhecimento encontrado.

Toda experiência é assimilada a uma estrutura de ideias já existentes (esquemas) podendo provocar uma transformação nesses esquemas, gerando um processo de acomodação. (…)Os processos de assimilação e acomodação são complementares e acham-se presentes durante toda a vida do indivíduo e permitem um estado de adaptação intelectual. (TERRA, 2009. p.3)

Piaget separa em quatro, os estágios cognitivos do desenvolvimento humano. Referindo-se a estágios, pressupõe uma ordem sequencial e constante dependente da experiência do indivíduo e não de uma questão temporal. (Cavicchia, 2010. p.3). São eles:

 

1º estágio – Sensório Motor (0 a 2 anos) – Período de organização do bebê caracterizado pela construção do seu eu. Neste período ocorre a “organização do desenvolvimento nos aspectos perceptivo, motor, intelectual afetivo e social”. (PORTAL EDUCAÇÃO,Período sensório motor – Disponível em https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/estagio-sensorio-motor-da-linguagem/45261 Acesso em 20 de jul. de 2019).Ela sai dos reflexos inatos para a percepção e os movimentos, adquirindo habilidades e percebendo-se no espaço. (TERRA, 2009. p. 4)

 

2º estágio – Pré-operatório (2 a 7 anos) – caracterizado pelo surgimento e desenvolvimento da linguagem. Fase da “inteligência simbólica” onde a criança passa a ter a capacidade de narrar, interpretar e interagir com os fatos passados ou futuros. (PORTAL EDUCAÇÃO,Período pré-operatório – Disponível em https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/2-a-7-anos-de-idade—periodo-pre-operatorio/20170Acesso em 20 de jul. de 2019).O aparecimento da função simbólica ou semiótica, para Piaget, é o que caracteriza a passagem para esta fase. O desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência. O surgimento desta linguagem possibilita “modificações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança”. Fase caracterizada pelo egocentrismo pois “a criança ainda não é capaz de perceber uma realidade da qual não faça parte, devido à ausência de esquemas conceituais e da lógica”.  (TERRA, 2009. p. 4)

 

3º estágio – Operações concretas (7 a 11/12 anos) – Caracterizado pela aquisição da capacidade de operações lógico-matemáticas, chamadas por Piaget de “agrupamentos”. Segundo Souza e Wechsler, (2014) “as principais aquisições cognitivas matemáticas ocorridas (…) são a classificação e a seriação, e em seguida ocorrem a multiplicação lógica e compensação simples”. A criança consegue pensar de forma lógica e concreta, mas ainda não é capaz da abstração. Ela se baseia “naquilo que é perceptivo” (Souza e Wechsler, 2014. p. 142). A incapacidade de se colocar no lugar do outro (característica da fase anterior) dá espaço à “capacidade da criança de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes” (TERRA, 2009. p. 4). Surge também a capacidade de mentalizar e resolver operações mentais sem a necessidade de aspectos físicos.

 

4º estágio – Operações formais (12 anos em diante) – Neste estágio, “a criança já consegue raciocinar sobre hipóteses” (TERRA, 2009. p. 4) pois já é capaz de formar conceitos abstratos, além de possui uma lógica formal. O adolescente desenvolve um raciocínio hipotético-dedutivo. Ocorre a “passagem do pensamento concreto para o formal” e o adolescente passa a se interessar por problemas abstratos sendo capaz de elaborar teorias sobre questões que possam transformar o mundo. (RIZZI e COSTA, 2004. p.32).

Torna-se importante frisar que esta divisão em idades nos diversos estágios não é rígida pois depende de alguns fatores como exposição a estímulos e características biológicas de cada indivíduo (TERRA, 2009. p. 4). Os estudos de Piaget não tinham como objetivo oferecer uma teoria sobre aprendizagem, porém seu modelo acabou se tornando um dos maiores referenciais no campo da aprendizagem escolar no Brasil, Europa e Estados Unidos. (TERRA, 2009. p. 6).

 

2.2 – Lev Semyonovich Vygotsky (1896 – 1934)

Psicólogo Bielo-Russo que só ficou conhecido no meio acadêmico após sua morte aos 38 anos de idade e que foi “pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida”. (MACHADO, s.d. )

Segundo Rabello e Passos, (s.d. p. 3) Vygotsky afirmava que os indivíduos adquirem conhecimento através de sua interação com o ambiente onde está. Este conhecimento se dá através de um processo de mediação que são as “relações intra e interpessoais e de troca com o meio”

Para Vygotsky, a relação do indivíduo com o mundo é marcada por “sistemas simbólicos” e a linguagem é fundamental neste processo pois ela “simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real (…) cujo significado é compartilhado pelos usuários desta linguagem” (FELIPE apud Oliveira, 2009. p. 29). Assim sendo, para que o aprendizado aconteça, o indivíduo precisa participar de “ambientes e práticas específicas”. A criança não se desenvolve sozinha, com o tempo; ela precisa ser exposta a experiências que fornecerão instrumentos para este aprendizado. (RABELLO e PASSOS,em https://josesilveira.com/  Acesso em 27 de jul.de 2019).

Vygotsky divide o desenvolvimento da criança em dois níveis; o real e o potencial. O real se refere àquilo que a criança já consegue fazer sozinha, ou seja, às etapas que ela já alcançou sem precisar de auxílio de ninguém. Já o potencial se refere à capacidade de realizar atividades com mediação. (NASSIF e BARBOSA. 2014. p.5).  Esta mediação nada mais é que a colaboração de outra pessoa que explique ou mostre como se deve fazer. Felipe (2009) ainda aponta a importância que Vygotsky dá à “possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra”. Ao intervalo entre o nível de desenvolvimento Real e o nível de desenvolvimento Potencial, se dá o nome de Zona de desenvolvimento proximal. Baseado nas explicações dos autores acima citados podemos concluir que:

1º Nível – Zona de Desenvolvimento Real – Capacidade que o indivíduo tem de resolver sozinho os problemas que encontra. É tudo que o indivíduo consegue fazer de forma autônoma.

2º Nível – Zona de Desenvolvimento Potencial – É tudo aquilo que o indivíduo é capaz de fazer, a partir de sua situação real; quais são suas potencialidades de desenvolvimento, ou seja, um conhecimento que ainda não foi consolidado, mas está próximo de se tornar real.

A Zona de Desenvolvimento Proximal é o elo entre os dois níveis. É a mediação que possibilita ao indivíduo resolver determinada situação com o auxílio de alguém mais competente, através de exemplo ou explicação. “É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem vai ocorrer.” (RABELO e PASSOS, p.5,Disponível em https://josesilveira.com/  Acesso em 27 de jul. de 2019.)

 

2.3 – Henri Wallon (1879-1962)

Para Wallon, a dimensão afetiva é de fundamental importância no processo de ensino-aprendizagem (Mahoney e Almeida, 2005. p. 11). Psicólogo do desenvolvimento e psicogeneticista francês, Henri Wallon buscou em seus estudos compreender como se dá o processo de desenvolvimento da criança e como a escola interfere neste processo. (Sugahara, 2016. p. 25). Wallon olhou a criança como um todo em seus aspectos motores, afetivos e cognitivos e defendeu que a escola precisa oferecer para ela uma formação integral que aborde tanto o aspecto intelectual quanto o social e o afetivo.

Wallon é responsável pela elaboração de um modelo heurístico que procura compreender as diversas dimensões da expressão humana que, por estarem vinculadas e por serem indissociáveis, promovem o desenvolvimento humano. Destaca-se por demonstrar que aspectos como a afetividade e atividade motoras, via de regra desprezadas na análise desse tema, têm importância decisiva no complexo Inter jogo funcional responsável pelo desenvolvimento da criança. (GRANDINO, 2010. p 34)

Os principais conceitos presentes na teoria de Wallon apontam a integração organismo-meio e a integração cognitiva-afetiva-motora (Sugahara, sem data. p.10). Na integração organismo-meio “o desenvolvimento está ligado às condições orgânicas e ao meio do qual a criança recebe os motivos de suas reações” já na integração cognitiva-afetiva-motora,

 

Os comportamentos de uma pessoa, num dado momento e circunstância, são resultantes das configurações formadas a partir das interações entre as dimensões cognitivas, afetivas e motoras que compõem a pessoa, de forma integrada e indissociável. Essas dimensões estão vinculadas entre si, e suas interações em constante movimento. (Sugahara, sem data. p.16)

Segundo Galdino (2010), a teoria de desenvolvimento de Wallon vê a inteligência e a afetividade como um todo e explica que esse desenvolvimento é composto por momentos de introspecção e de extroversão. Abordar o aspecto da afetividade acabou destacando sua teoria no processo educativo das crianças.

O surgimento de uma nova etapa do desenvolvimento implica na incorporação dinâmica das condições anteriores, ampliando-as e ressignificando-as. A criança atravessa diferentes estágios que oscilam entre momentos de maior interiorização e outros mais voltados para o exterior, sendo possível demarcar alguns deles ao longo do desenvolvimento infantil. (GALDINO, 2010. p. 34)

Os estágios de desenvolvimento infantil descritos por Wallon são uma forma de preparação para o estágio seguinte marcados por um contínuo movimento de internalização e externalização que levará a criança à autonomia. Galdino (2010) nos sintetiza estes estágios da seguinte forma:

1º Estágio: Impulsivo-emocional (0 a 1 ano) – Impulsivo de 0 a 3 meses e emocional dos 3 aos 12 meses. Nesta etapa a criança se relaciona por meio da afetividade e seus gestos impulsivos aos poucos vão se tornando emocionais como modo de se relacionar com quem cuida dela e com o meio em que vive. É um movimento de introspecção, voltada para dentro dela mesma.

2º Estágio: Sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) – Sensório motor até os 18 meses e Projetivo dos 18 meses aos 3 anos. Movimento para fora, de exteriorização. A criança consegue se mover e até andar o que possibilita a exploração do ambiente em que vive. Esta exploração possibilita um desenvolvimento cognitivo. “O pensamento (…) se projeta em atos motores” (GALDINO, 2010. p 35) e a criança busca tocar tudo o que está ao seu alcance. A fala se desenvolve e a criança pode se manifestar.

3º Estágio: Personalismo (3 a 6 anos) – Neste estágio retorna o movimento para dentro. De acordo com Galdino (2010), esta fase se divide em Crise da oposição (3 a 4 anos), onde a criança busca sua autonomia se opondo aos adultos; Idade da Graça (4 a 5 anos) e Imitação (5 a 6 anos), onde a criança começa a exercer a imitação dos adultos que admira sobretudo dos pais e professores. É um estágio marcado pela afetividade e nele se forma a personalidade e autoconsciência da criança.

4º Estágio: Categorial (6 a 11 anos) – Predomínio do cognitivo e do movimento para fora. A inteligência é usada para explorar o meio em que vive. O pensamento abstrato aparece bem como a capacidade de memorizar intencionalmente. Desenvolve o raciocínio simbólico e associativo e a criança tem maior controle da atenção.

5º Estágio: Adolescência (a partir dos 11 anos) – As transformações próprias desta idade provocam um movimento para dentro marcado pela afetividade. “Conflitos internos e externos fazem o indivíduo voltar-se a si mesmo, para auto afirmar-se e poder lidar com as transformações de sua sexualidade”. (GALDINO, 2010. p 36)

Para Wallon, o desenvolvimento não termina na adolescência, mas permanece por toda a vida e as aprendizagens que vão surgindo ao longo do tempo possibilitam que a afetividade e a cognição permaneçam em interação e em constante movimento

 

2.      MÉTODOS ATIVOS (Dalcroze, Kodaly, Orff, Willens e Suzuki)

 

A primeira metade do século XX foi marcada por muitas mudanças. Na área do desenvolvimento infantil vimos nomes como os apresentados no capítulo anterior que trouxeram grandes avanços para a educação das crianças.  Na música surgiram os métodos ativos que são estratégias que se utilizam da experiência prática, ou seja, o aluno participa ativamente de seu aprendizado através da manipulação de instrumentos, da escuta e do fazer musical para possibilitar o conhecimento e desenvolver “habilidades específicas”. (FERNANDINO, 2015)

Apresentaremos um apanhado das ideias e práticas pedagógicas de cinco pedagogos e músico-educadores com suas contribuições para a educação musical através dos métodos ativos: (FERNANDINO, 2015. GOULART, 2000. SANTOS,2016. MARIANI, 2012)

 

2.1 – Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950)

Compositor e pedagogo musical, nasceu na Suíça e desenvolveu um método que se baseia no ritmo e no movimento – a Rítmica (Eurhythmics). Dalcroze acreditava que para se aprender música, esta deveria passar pelo corpo, pelo movimento. Para ele, “o corpo é o primeiro instrumento” para o aprendizado. (FERNANDINO, 2015)

Sua metodologia se baseou no ritmo e no movimento corporal. Dalcroze quis eliminar as práticas exteriores de leituras e outras atividades repetitivas para possibilitar que o aluno experimentasse o ritmo primeiramente através de seu próprio corpo e movimento e assim se conscientizasse do mesmo – a experiência antes da teoria. Para isso utilizou de solfejos, rítmicas e improvisações. (FERNANDINO, 2015, MARIANI, 2012). Através de uma performance corporal dos parâmetros musicais, Dalcroze busca o desenvolvimento de uma memória e um sentido rítmicos. (FERNANDINO, 2015); uma compreensão da música através de uma relação do corpo e da mente. (MARIANI, 2012).

 

2.2 – Zoltán Kodály (1882-1967)

Musicólogo e compositor, nascido na Hungria, buscou em suas pesquisas o resgate e a valorização do folclore húngaro juntamente com Bela Bartok. Este trabalho explorou as formas, ritmos, melodias e harmonias da música folclórica criando posteriormente um sistema de educação musical para as escolas da Hungria. (GOULART, 2000)

A proposta pedagógica de Kodály é fundamentada basicamente no uso da voz e tem os solfejos como material essencial (SILVA, 2012). Além do folclore e da educação musical para as escolas, seu trabalho também se destacou pelo que ele chamou de Dó móvel. Sua metodologia se baseava em desenvolver a leitura à primeira vista, o canto coral através das músicas folclóricas; um sistema de duração rítmica com símbolos e um de treinamento auditivo denominado de Dó móvel que trata de alturas relativas. Para este sistema se utiliza um conjunto de sinais feitos com a mão – a Manosolfa. (SANTOS, 2016).

Para Kodály, o ensino musical “requer que a organização de conteúdos siga os padrões de habilidades de uma criança normal em seus vários estágios de crescimento” (SILVA apud Choksy, 2012).  Para a leitura musical, Kodály elaborou um material de solfejos com duas formas de grafia: a da leitura com os nomes das notas e sem a presença do pentagrama (Figura 1) e a da leitura relativa na pauta – Dó móvel (Figura 2).

 

Figura 1 – Leitura através das notas

 

 

Fonte: SILVA, 2012 (In: Mateiro e Ilari, 2012)

 

Figura 2 – Relativa

Fonte: SILVA, 2012 (In: Mateiro e Ilari, 2012)

 

A Manosolfa é um recurso essencial na pedagogia de Kodály. Consiste em uma sequência de gestos feitos com a mão que simbolizam as notas musicais e suas alturas. O professor faz o gesto e canta a nota e o aluno imita. (SILVA, 2012).

Na figura 3 temos as imagens deste gestual que devem ser feitos em frente ao corpo respeitando também as alturas, ou seja, a mão vai subindo e descendo, do grave para o agudo, de acordo com a nota cantada. Desse modo, a associação da nota e sua altura vão sendo incorporadas naturalmente pelo aluno. (SILVA, 2012)

A manossolfa, independente da partitura musical, torna o solfejo visualmente concreto, um fator importante na aprendizagem de iniciantes em música. Ela reforça a sensação intervalar, auxilia na visualização espacial da direção sonora (agudo-grave/grave-agudo) e na relação entre as alturas cantadas. Colabora ainda no desenvolvimento da memória musical e no treinamento auditivo. Pode-se dizer que a manossolfa é um “solfejo gestual”. (SILVA, 2012. p.77)Na figura 3 temos as imagens deste gestual que devem ser feitos em frente ao corpo respeitando também as alturas, ou seja, a mão vai subindo e descendo, do grave para o agudo, de acordo com a nota cantada. Desse modo, a associação da nota e sua altura vão sendo incorporadas naturalmente pelo aluno. (SILVA, 2012)

 

Figura 3 – Manossolfa

 

Mi

Sol

 

Si   (Ti)

Fonte: SILVA (2012 In: Mateiro e Ilari, 2012). Adaptado de Szönyi, 1973, p. 21; Choksy, 1974, p. 15.

Nota: Manossolfa ilustrada conforme a pessoa vê sua própria mão ao fazer os gestos.

 

Kodály se utiliza então, da leitura relativa para posteriormente chegar à absoluta, bem como parte da escala pentatônica para a cromática. Outro aspecto importante da metodologia de Kodály é utilização de sílabas para o solfejo rítmico. Segundo Silva (2012 p. 77), “as sílabas constituem expressões de duração faladas e têm a função de auxiliar nas dificuldades iniciais de aprendizagem”.  Usadas apenas no início da aprendizagem musical elas são: semínima (ta), 2 colcheias (ti-ti), 4 semicolcheias (tika-tika), 1 colcheia e duas semicolcheias (ti-tika), conforme vemos na figura 4:

Figura 4 – sílabas e suas subdivisões

Fonte: SILVA (2012 In: Mateiro e Ilari, 2012).

 

De acordo com Fernandino (2015), Kodály também trabalha o ritmo partindo da movimentação da criança onde o andar equivale à semínima, o correr às colcheias.

  2.3 – Edgard Willems (1890-1978)

A educação auditiva é fundamental para Willems. Parejo (2012) nos fala que todo indivíduo apresenta uma unidade entre o aspecto fisiológico, afetivo e mental. A sensibilidade sensorial leva a uma reação afetiva que possibilita uma consciência auditiva. (PAREJO, 2012. p. 95). Para Willems, a metodologia é uma experiência prática: se vive a música através da sensorialidade, afetividade e inteligência. (SANTOS, 2016)

No aspecto fisiológico, a “sensorialidade auditiva se refere à maneira pela qual somos tocados e afetados por vibração sonora”. O segundo aspecto; o afetivo, relaciona-se à “sensibilidade afetiva”. Encaixam-se neste aspecto “os elementos melódicos como intervalo, escala e sentido tonal, imaginação retentiva e reprodutiva, memória melódica e audição relativa”. O terceiro domínio; a inteligência auditiva, se elabora “na dependência das experiências sensoriais e afetivas anteriores, e consiste em tomar consciência ou de entender o que se ouve”. (PAREJO, 2012. p. 98 e 99)

Willems propõe um processo de aprendizagem gradativa que respeite o desenvolvimento da criança. Para ele, primeiro a criança precisa viver e fazer música para só depois pensar sobre ela e assim, adquirir os conceitos. (FERNANDINO, 2015 e PAREJO, 2012)

 

2.4 – Carl Orff (1895-1982)

Orff, Willems, Kodály e Dalcroze fazem parte de uma primeira geração de “transformadores que promoveram a passagem de um sistema de ensino musical mecânico e desprovido de vida, para um ensino musical vivo, prazeroso e (…) centrado na criança”.  (PAREJO, 2012)

Carl Orff nasceu em Munique, na Alemanha. Acreditava que para se aprender música, esta deveria passar pela vivência corporal e pela prática. Assim como Dalcroze, ele compreendeu que estruturas musicais como forma, ritmo, fraseado, dentre outros eram mais assimilados pelos alunos na medida em que eles vivenciavam estas práticas através do corpo e dos movimentos. Fernandino (2015) nos aponta que em 1924, Orff, em parceria com DorotheeGünther, fundou a Güntherschule. Uma escola onde desenvolveram “experimentos voltados para a educação rítmica e a integração entre música e movimento”.

Sua obra Schulwerk é composta por cinco volumes destinados a um ensino escolar da música e tem como base o pensamento musical elementar. O trabalho “começa com padrões rítmicos simples e progride até complexas e sonoras peças para conjuntos de xilofones, glockenspiels e outros instrumentos de percussão.” (GOULART, 2000)

Segundo Bona (2012), “a educação musical − elementar ou básica − parte do entendimento de que linguagem, música e movimento estão originalmente interligados pelo fenômeno rítmico. Ensinar através da prática, do fazer música, era o fundamento da proposta pedagógica de Orff. O foco metodológico do seu trabalho era baseia no ritmo, no movimento e na improvisação, no ensino coletivo utilizando o corpo e instrumental Orff combinando sons e timbres. (SANTOS apud FONTERRADA, 2016). Jogos, brincadeiras e danças são utilizadas para se trabalhar o movimento e o grupo. Com o corpo se produz som seja com a percussão corporal, seja com a movimentação rítmica. (FERNANDINO, 2015).

Orff desenvolveu juntamente com Karl Maendler, um instrumental denominado Instrumental Orff, com a “função de executar os componentes rítmicos” da prática musical, que se divide em dois grupos; os de altura indefinida e os de altura definida. “Convém lembrar que Orff não foi o inventor de nenhum desses instrumentos, mas reconheceu o significado e a utilização deles na educação musical e no movimento”. (BONA, 2012 p 145). Na figura 5 temos um esquema destes instrumentos e seus símbolos.

 

Figura 5 – Instrumentos da Sala de Aula – Orquestra Orff

Fonte: BASTOS (2015)

Os princípios fundamentais de Carl Orff estavam sistematizados em uma educação elementar onde se busca educar a criança dentro de seu universo; na valorização da tradição oral; na adaptação do método à realidade dos alunos e no aprendizado de forma lúdica usando mais o tato e a audição do que a visão. (FERNANDINO, 2015).

Além do Schulwerk (Obra escolar), outra obra de grande destaque de Orff foi uma cantata cênica denominada Carmina Burana que é a primeira de uma trilogia chamada de Trionfi. (BONA, 2012).

 

2.5 – Shinichi Suzuki (1898-1997)

Nascido no Japão, Suzuki é o criador de um método que leva o seu nome e sua metodologia se baseia no ensino musical de forma rápida e natural, assim como se aprende a língua materna, ou seja,  na escuta e na repetição sistemática, onde a pessoa é envolvida no meio musical, convivendo, ouvindo e imitando  outros, possibilitando uma capacidade de repetição independente de um conhecimento prévio de regras e leituras. As mães participam deste processo de ensino junto com suas crianças. (FERNANDINO, 2015).

“Educação do Talento” – nome dado ao seu projeto de ensino que inicialmente visava o aprendizado do violino para as crianças japonesas. Com a difusão de seu método pelo mundo, ele também foi desenvolvido para outros instrumentos e outras realidades.

A Educação do talento é uma verdadeira filosofia educacional que propõe uma nova leitura da criança instrumentista, do talento, do papel da socialização na aprendizagem instrumental e do potencial da educação musical na vida humana. ILARI, 2012. p. 189)

Mais do que um método; uma filosofia. Suzuki acreditava que o talento se desenvolvia como consequência de um estudo sistemático e não como uma herança genética ou “fruto do acaso”. Para ele todas as crianças podem aprender desde que haja incentivo e instrução adequados. “A essência da Educação do talento é a formação integral do ser humano” (ILARI, 2012). Observando como as crianças aprendem a falar, Suzuki percebeu a importância do apoio familiar, da repetição constante e da interação entre a mãe e o bebê neste processo de aprendizado. Percebeu que os sons das palavras se fixam na memória devido a tais atitudes familiares e que o progresso se revela gradativo devido à repetição diária. Entendeu também que os pais conseguem estimular seus filhos de forma positiva tanto para o aprendizado quanto para o desenvolvimento da autoestima. (ILARI, 2012)

O método Suzuki é composto por uma série de dez volumes inicialmente para violino e posteriormente desenvolvido para outros instrumentos. Cada volume compreende uma série de músicas, algumas com variações e áudios que as acompanham.

Conforme observamos neste capítulo, estas pedagogias e seus criadores recomendavam que os estudos de aprendizagem musical deveriam começar por volta dos 3 anos de idade. Antes desse tempo as crianças, muito pequenas, ainda não teriam as capacidades linguísticas, motoras e cognitivas desenvolvidas adequadamente para tal. Elas precisariam pronunciar palavras, manipular instrumentos, movimentar-se ritmicamente para fazerem as atividades propostas em suas metodologias.

Com o progresso da ciência e as descobertas no campo da neurociência esta realidade se transformou. No capítulo seguinte apontaremos como o avanço neurociência possibilita que o ensino musical se inicie bem antes dos 3 anos de forma a respeitar as fases de desenvolvimento das crianças e explorar todo o seu potencial de maneira lúdica e criativa.

 

3.O lúdico no desenvolvimento, cognição e aprendizado musical infantil

 

Nos dias atuais, cada vez mais se fala a respeito da importância do cérebro na realização das atividades do dia a dia. Estudos e descobertas da neurociência apontam a “importância do cérebro no desenvolvimento humano e na aprendizagem e na cognição.” (ILARI, 2003). Uma vez que o cérebro é o responsável por todas as nossas ações, o aprendizado musical também passa por ele.

A criança aprende com aquilo que ela vivencia diariamente e assim os estímulos recebidos estão diretamente direcionados ao seu desenvolvimento cognitivo e intelectual. (CHIARELLI e BARRETO, s.d.).  Da mesma forma, a música experimentada pela criança possibilita um engrandecimento global nos mais variados aspectos, visual, auditivo, motor, emocional, psicológico e social.

Para Chiarelli e Barreto (s.d.), as atividades musicais devem ser baseadas em jogos onde as propriedades do som são trabalhadas através de comparações, adivinhações, esconde-esconde, desenhos, histórias, dentre outros. Dessa forma, o educador tem a possibilidade de perceber quais são as facilidades ou dificuldades de cada criança em relação à sua capacidade musical. Por outro lado, as atividades lúdicas são capazes de motivar e estimular a criança ao aprendizado pois o brincar é próprio do universo infantil. (MARQUES, 2017 p.22)

Cada experiência vivenciada pela criança, cada estímulo recebido, provoca no cérebro um movimento entre seus neurônios que se ligam entre si criando novas conexões nervosas – as sinapses – possibilitando a condução dos impulsos nervosos através da liberação dos neurotransmissores. “As sinapses regulam a passagem das informações no sistema nervoso, tendo, portanto, importância fundamental na aprendizagem” (SILVA, 2017). A cada nova ligação nervosa, o indivíduo vai adquirindo novas capacidades. Essa aptidão que o cérebro tem de criar sinapses e de se modificar constantemente é chamada de plasticidade cerebral.

Os primeiros anos de vida são fundamentais nesta plasticidade pois o cérebro está em pleno desenvolvimento para construir novas sinapses. Ilari, (2003) destaca que “estudos da neurociência apontam para a infância como um período propício para o desenvolvimentodo cérebro.”Porém sabe-se que a plasticidade cerebral permanece por toda a vida e sendo assim, desde que seja estimulado, o adulto consegue aprender.

Assimilar música provoca mudanças significativas no cérebro pois desenvolver conteúdos musicais como ritmo, melodia, harmonia, reconhecer e discriminar altura, intensidade, timbres, prática de apreciação, performance, criação, dentre tantas outras, amplia a atividade cerebral isolada, integrada ou simultânea.(SILVA, 2017)

 

A música tanto afeta o cérebro como é afetada por ele, já que composições e interpretações musicais são frutos de planejamento, criatividade, sentimentos e inteligências, funções desempenhadas pelos lobos cerebrais, principalmente lobos frontais e pré-frontais. (SANTOS e PARRA, 2015 p.3)

 

O cérebro possui dois hemisférios, o direito e o esquerdo, unidos por feixes de comunicação. Embora semelhantes no aspecto, cada lado possui diferenças fundamentais e comanda funções específicas; sendo que do lado esquerdo temos a memória, o raciocínio lógico, a linguagem, a resolução de problemas e no direito, a imaginação, intuição, os sentimentos.(ILARI, 2003 p.3). Apesar desta divisão de funções, ao se trabalhar com música ambos os lados do cérebro são estimulados. Ilari, (2003) nos aponta que um músico treinado possui um cérebro diferente de um não músico. Seu cérebro processa informações em ambos os lados, além de apresentar uma comunicação maior entre os hemisférios durante suas práticas.

 

Embora se diga que a percepção da música se localize primordialmente no hemisfério direito do cérebro, sabe-se hoje que o aprendizado musical depende dos dois hemisférios, uma vez que ele é interdependente de outras funções cerebrais, como a memória, a linguagem verbal, a resolução de problemas e a análise, entre outras.(ILARI, 2003 p.3).

 

Santos e Parra, (2015) nos mostram que ao se estudar música, esta toca a emoção e várias estruturas cerebrais, como o sistema límbico, são ativadas. Também ocorre a liberação da dopamina causando prazer ao aluno. De acordo com estas autoras, apresentamos no quadro abaixo, uma visão geral de como algumas atividades musicais afetam e são afetadas pelo cérebro:

 

Tabela 1 – Atividades musicais e o cérebro

 

Atividade musical Estruturas cerebrais
ouvir uma música Liberação do neurotransmissor dopamina responsável pela sensação de prazer e ativador do sistema de recompensas no cérebro.
acompanhar uma canção conhecida

 

Hipocampo – responsáveis pela memória.
acompanhar um ritmo Circuitos deregulação temporal do cerebelo.
ATIVIDADE DE orquestração Ativa o cerebelo e o tronco cerebral.

 

leitura de partituras Ativa o córtex visual situado no lobo occipital.
ouvir, cantar e relembrar letras de músicas Ativa as áreas de linguagem Broca e Wenicke.
atividades musicais que exijam planejamento Lobos frontais.

Fonte: SANTOS e PARRA, 2015

 

Para que este desenvolvimento seja mais proveitoso é importante que educadores musicais utilizem de uma boa variedade de músicas e atividades. Ilari (2003) segue apontando que o planejamento das aulas deve ser feito com bastante cuidado e zelo, com jogos, brincadeiras e muitas práticas lúdicas pois, segundo ela, estas tornarão a experiência prazerosa e de grande significado e assim possibilitarão a formação de novas conexões neurais gerando o aprendizado. “Os jogos musicais, quando utilizados de forma lúdica, participativa e não-competitiva, podem constituir uma fonte rica de aprendizado, motivação e neurodesenvolvimento”. (ILARI, 2003 p.9)

 

As atividades musicais oferecem inúmeras oportunidades para que a criança aprimore sua habilidade motora, aprenda a controlar seus músculos e mova-se com desenvoltura. O ritmo tem um papel importante na formação e equilíbrio do sistema nervoso. Isto porque toda expressão musical ativa age sobre a mente, favorecendo a descarga emocional, a reação motora e aliviando as tensões. Qualquer movimento adaptado a um ritmo é resultado de um conjunto completo (e complexo) de atividades coordenadas. Por isso atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas, pés, são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva o senso rítmico, a coordenação motora, fatores importantes também para o processo de aquisição da leitura e da escrita.(CHIARELLI e BARRETO, s.d. p.3)

 

Segundo Marques (2017), a criança é capaz de explorar mais seu lado criativo e emocional, através de atividades lúdicas, favorecendo assim, seu processo de ensino aprendizado. Ela conceitua atividades lúdicas como “atividades que despertam a imaginação da criança de forma significativa”. Estas são ferramentas pedagógicas que auxiliam, estimulam e desenvolvem cognitivamente. “Dessa maneira, estas atividades têm por objetivo aprofundar e desenvolver os conhecimentos do aluno, de forma divertida e não tradicional”

 

Jogos, brinquedos e brincadeiras, utilizados corretamente, integram várias dimensões da personalidade, afetiva, motora, cognitiva, que mobiliza funções e operações (…) é através deles que a criança adquire a primeira representação de mundo e, é por meio deles, também, que desenvolve um senso de iniciativa e auxílio mútuo. (MARQUES 2017 p.11)

 

Quando um conhecimento é bem preparado e apresentado de forma lúdica, ele se torna significativo e dessa forma as crianças encontram mais alegria e entusiasmo na experiência proposta não medindo esforços em se lançar e vencer os desafios apresentados. A experiência de aprendizado se torna natural e livre de cobranças. (ILARI, 2003; MARQUES 2017)

Para que esse processo seja realmente significativo e não mero divertimento, o educador precisa estar preparado para tal. Ele, como mediador e facilitador, precisa dar voz à criança para perceber quais são suas reais necessidades e capacidades. Além do mais, o aspecto afetivo não pode ficar de fora. Marques (2017) aponta que o aluno aprende melhor quando há uma relação mais afetiva entre ele e o professor. Daí concluímos que para exercer adequadamente este papel de mediador e facilitador não basta apenas domínio da área de conhecimento, mas também um profundo interesse no aluno que está a aprender.

 

CONSIDERAÇÕES

 

São inúmeras as teorias sobre o desenvolvimento infantil e nesta pesquisa usamos uma abordagem que apresenta as crianças como autoras de seu processo de conhecimento. Neste ângulo vimos que os autores pesquisados apontaram que o conhecimento é construído a partir da relação do sujeito e o meio. Se trata de um processo ativo onde, através de seu próprio corpo, do meio em que vive e daqueles que estão à sua volta, as crianças começam a cultivar uma capacidade afetiva, uma sensibilidade, um raciocínio. Compreender como se dá esse desenvolvimento, a relação e adaptação do indivíduo ao meio em que vive, bem como aspectos da dimensão afetiva são essenciais no processo de ensino-aprendizagem.

Através desta pesquisa foi possível constatar que, para que o aprendizado se efetive, a criança precisa estar aberta a ele e para isso ela necessita estar motivada. Estímulos adequados são fundamentais para se criar esta motivação e o lúdico é o caminho mais eficaz, uma vez que a brincadeira é parte inerente da criança.

Ficou evidente que os diferentes níveis de desenvolvimento (motor, afetivo e cognitivo) ocorrem de forma integrada e com o surgimento dos métodos ativos em educação musical, estratégias e práticas partiram da ação ativa do aluno em seu aprendizado através do fazer musical, a começar pela experiência corporal, motora, chegando ao desenvolvimento de habilidades musicais especificas.

Também foi possível constatar, através da neurociência, que as experiências e os estímulos que a criança recebe são capazes de provocar em seu cérebro um movimento que possibilita novas conexões neurais – as sinapses – e o surgimento destas novas conexões estabelecem a passagem de informações no cérebro possibilitando assim o aprendizado.

Logo pude constatar que o lúdico tem sim importante papel no processo de aprendizagem musical pois ele cria o campo motivacional propício à formação de novas conexões neurais responsáveis pela passagem e absorção de novos conhecimentos.

 

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Beatriz Bittencourt Rodrigues – Licenciada em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em Neuroeducação Musical. Atua como professora de música em espaços educativos e também na rede particular de ensino de MG. Co-autora do livro Caracol e Cia, uma ferramenta de auxilio e integração entre profissionais da saúde e educação e famílias de bebes e crianças atípicas. Atualmente também promove eventos na área da formação continuada em Educação Musical em Belo Horizonte e algumas outras cidades do país.

 

 

 

 

 

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