Neurociência e motivação musical: Um estudo na prevenção da doença de alzheimer

 

Resumo

 

Nos últimos anos a Neurociência vem demonstrando várias outras habilidades do nosso cérebro, quando estimulado de forma correta. Descobriu-se que diferentes áreas cerebrais se comunicam e com isso através da neuroplasticidade elas podem reestruturar sua organização conforme sua necessidade. Estudos com música também estão sendo desenvolvidos a fim de compreender o quanto o cérebro é capaz de perceber, interpretar, e interagir com ela.    Ouvir ou tocar um instrumento vem sendo apontado como um meio eficaz no fortalecimento da concentração e percepção, portanto um dos recursos para o estímulo da memória. Como a doença de Alzheimer compromete a memória de longo e curto prazo, o pensamento, o juízo e a capacidade para aprender, este artigo tem como objetivo fazer uma revisão sistemática acreditando que a música unida ao conhecimento neurocientífico traz benefícios para o retardo desta doença.

 

Palavras-chave: Música, Alzheimer, Neurociência, Aprendizagem

 

Música

 

Segundo Stateri, “A música é a arte e ciência de organizar os sons de forma agradável”, e para que exista realmente a música, ela precisa seguir três fases: criação, interpretação e audição. Explorando aqui a audição, Stateri afirma que, cada indivíduo percebe e sente de forma diferente o som. Cada um possui sua “personalidade sonora”, que seria formada pelos registros de sons gravados no decorrer de sua existência, desde as primeiras músicas ouvidas na infância, dentro do ventre materno. Suas experiências auditivas ficarão registrados em sua mente. (Stateri, 2016, p. 13).

Nietzsche afirma “Ouvimos música com nossos músculos”. […] Acompanhamos o ritmo, involuntariamente […] e nosso rosto e postura espelham a “narrativa” da melodia e os pensamentos e sentimentos que ela provoca. (Sacks, 2007, p.11).

William James discorre ainda que a música pode nos acalmar, animar, consolar, emocionar e que para pacientes com várias doenças neurológicas ela pode ser ainda mais poderosa e ter imenso potencial terapêutico. (Sacks, 2007, p. 12).

 

Alzheimer 

A doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa.  Tipo de demência neurológica, que significa a diminuição lenta e gradual das funções cerebrais. Estudos demostram que 60 a 80% dos idosos, a causa da demência é a doença de Alzheimer. Nos Estados Unidos, estima-se que 10% das pessoas com 65 anos de idade ou mais sofram da doença de Alzheimer.  (Manual MSD).

Sintomas neuropsiquiátricos também podem ser notados, como alterações comportamentais, com dificuldades para completar tarefas simples do cotidiano, confusão de tempo e espaço e mudança de humor que se agravam ao longo do tempo.

“Uma pessoa com essa doença perde muito de sua autopercepção. Muito autores denominam essa perda como “perda do self”, como se o indivíduo perdesse sua própria identidade”. (Souza; 2018).

Um artigo realizado sobre a intervenção musical em paciente com Alzheimer, expõe um estudo de revisão sistemático sobre o papel das intervenções musicais, especificamente na memória de pacientes com doença de Alzheimer.

Evidenciam que ainda permanece frágil essa teoria, apesar de resultados positivos em sua utilização. Eles ponderam que uma reserva intelectiva pode ser um fator protetor para a demência, pois minimiza o declínio cognitivo e emocional. Fatores que aumentam a reserva cognitiva, como o exercício físico, a estimulação intelectual ou lazer ao longo da vida são atividades associadas a um risco reduzido de demência mesmo em indivíduos com predisposição genética.

Afirmam ainda que estudos com intervenção musical demonstraram a eficácia do tratamento para os sintomas comportamentais e psicológicos da demência, como agitação, irritabilidade, depressão e apatia, e que a prática musical compensa os declínios relacionados à idade na velocidade de processamento, memória e cognição. (Moreira, Justi, Moreira, 2018 p.134).

Segundo Glisky (2007),” as funções cognitivas básicas mais afetadas pela idade são atenção e memória, seguidas das funções de percepção, processamento de linguagem e tomada de decisão”.

 

Memória

 A memória é a capacidade do sistema nervoso de adquirir e reter habilidades e conhecimentos de forma que possa utilizá-los quando necessário.

Os idosos apresentam dificuldades em realizar tarefas de memória que exigem a capacidade de lidar com várias informações ao mesmo tempo. Tarefas em que a atenção é dividida também são consideradas difíceis. Essas são consideradas tarefas de curto prazo, e alguns pesquisadores com Salthouse acreditam que esses déficits refletem em um abrandamento da rapidez do processamento mental, ou seja, uma capacidade diminuída de armazenar múltiplas informações na memória de trabalho simultaneamente. (Bueno, 2009 p. 78)

A deterioração do funcionamento cognitivo pode estar relacionada a diversos aspectos: percepção, atenção, memória (de curto e de longo prazos), funções executivas, fluência verbal, velocidade psicomotora e coordenação visual-espacial. (Bueno, 2009 p. 82)

Podemos através da música estimular todo o funcionamento cognitivo, executando um trabalho dirigido para cada uma das áreas específicas, a fim de retardar o processo de deterioração que causa a doença de Alzheimer.

Sabe-se que a música demanda bastante empenho mental por estimular o cérebro como um todo, e que sua prática promove a melhora do raciocínio e da concentração, ativa a memória, além de aproximar o indivíduo do seu universo subjetivo.

Figura 1 Grupo Evolução

 

Segundo Calvet (2013, apud Souza), não existe um lugar específico no cérebro onde a memória se localiza, a memória é construída a partir de processos de associações. Cada indivíduo faz associação do que quer memorizar dependendo do significado que aquilo terá para si.

O estudo do papel da música proporciona grandes efeitos relacionados à redução dos sintomas comportamentais e psicológicos e ainda vão muito além quando utilizadas para estimular a memória em fatos e eventos, pois sabe-se da importância do resgate da memória musical na vida do ser humano. É comum notarmos pessoas que apesar do comprometimento da memória são capazes de cantar cantigas familiares de quando eram crianças.

 

Música e Memória

 

Em músicos com demência, apesar da perda da memória semântica, não há perda da memória musical. (Weinstein et al., 2011).

A música e a memória estão interligadas. As lembranças musicais vão sendo criadas e construídas em nossa mente de acordo com as experiências emocionais que temos com elas. A maneira como alguém ouve música depende crucialmente daquilo que é capaz de lembrar-se a respeito de eventos passados (Sloboda 2008, p.229).

Bergmann, em seu artigo descreve que: “O relato das memórias dos idosos fornece vasto material de trabalho para o educador musical e condições para ele se aproximar desse mundo sonoro do passado.”

Segundo Sacks,(2007, p.327), em observação a um grupo de pacientes com Alzheimer: “a música familiar age como uma espécie de mnemônica proustiana, faz aflorar emoções e associações esquecidas há tempos, reabre aos pacientes o acesso a estados de espírito e memórias, pensamentos e mundos que pareciam ter sido totalmente perdidos”.

 

Neurociência

 

A neurociência consiste no estudo sobre o sistema nervoso e suas funcionalidades, além de estruturas, processos de desenvolvimento e alguma alteração que possa surgir no decorrer da vida. É um campo de pesquisa que trabalha com três elementos a saber: cérebro, medula espinhal e nervos periféricos em suas funcionalidades (artigo Neurosaber).

A neuroeducação musical consiste no estudo dos aspectos neurofisiológicos relacionados como aprendizado musical. A música para a neurociência é a capacidade neurológica para a compreensão de fenômenos acústicos ligados ao fazer musical (Louro, 2018/2019).

Destacaremos nesse artigo alguns conceitos entre a relação cérebro e música dentro do estudo da neurociência, pois mesmo com os avanços tecnológicos sobre sua funcionalidade este surpreende ainda toda a humanidade com os mistérios que o cercam.

Segundo Rocha e Boggio (apud Peretz; Zatorre, 2004, p.133) “o estudo da neurociência tem trazido nas últimas décadas, uma série de contribuições para o melhor entendimento dos efeitos causados pela música dos indivíduos e seu impacto no funcionamento do cérebro humano”.

 

Efeitos da Música

 

Os efeitos que a música e seu processamento ocasionam nas áreas cerebrais, tem se tornado motivo de intenso e sistemático estudo. Para Peretz e Zatorre (2204, p. 90), “a música oferece uma oportunidade única para entender melhor a organização do cérebro humano”.

Está consolidada a ideia de que a música é uma atividade complexa a qual engaja diferentes regiões do cérebro e evoca um conjunto de emoções e habilidades que impactam positivamente a plasticidade neuronal (Schalaug, 2001; Herdener et al., 2010; Levitin; Tirovolas, 2009; Herholz; Zatorre, 2012; Fedorenko et al., 2012, apud Cuervo; Rosat p.174).

Segundo as autoras ainda quanto a plasticidade cerebral; dizem que existe um acentuado empenho investigativo envolvendo as Neurociências e a Música, baseado na ideia de que o fazer musical infere na plasticidade neuronal de modo significativo, com ampliação morfológica visível das áreas engajadas, como explica Sacks (2007, p.100).

Nos dias atuais sabe-se que o cérebro é um sistema complexo e flexível. Descobriu-se que através do corpo caloso, os hemisférios se comunicam e que podem se reestruturar conforme suas necessidades, englobando funções cognitivas, emocionais e sensoriais.

Sacks ainda afirma que:

 

Existem, indubitavelmente, áreas específicas do córtex que alicerçam a inteligência e a sensibilidade musicais a resposta emocional à música, […] mas a resposta emocional à música, ao que parece, é muito disseminada e provavelmente não apenas cortical, mas também subcortical, de modo que mesmo em uma doença cortical difusa como o Alzheimer a música ainda pode ser percebida, desfrutada e gerar respostas.(Sacks, 2007, p. 329)

 

Considerações Finais

 

Fundamentados em todas essas informações, concluímos que o ensino musical pode trazer benefícios não só na melhoria qualidade de vida, como também pode promover aspectos de desenvolvimento criativo e expressivo do ser (Souza e Leão, p.57).

A música interfere de forma direta na recuperação da memória e torna-se assim, uma terapia auto-expressiva e de atuação relevante como modelo de prevenção, reabilitação e intervenção na vida destas pessoas (Gomes e Amaral, p.111).

Sacks no documentário Alive Inside, afirma ainda que “A música tem mais capacidade de ativar mais partes do cérebro do que qualquer outro estímulo” (Sacks, 14min 25s).

Apesar de todas comprovações faz-se necessário prosseguir com a investigação sobre a influência da música na memória na doença de Alzheimer. Existe necessidade de mais pesquisas envolvendo a neurociência e a música, e estudos de imagem que investiguem as áreas cerebrais envolvidas na escuta e memória musical a fim da compreensão dos processos cognitivos e da memória relacionados à atividade musical.

Por outro viés, os educadores devem adquirir conhecimento nesse sentido e criar um processo metodológico para as pessoas da terceira idade, baseado na estimulação de suas lembranças, pensamentos e emoções, pois cada indivíduo faz da sua memória uma associação e transforma isso em um significado puramente pessoal.

 

Bibliografia

 

Bergmann, Carolina Giordano.  A relação do idoso com o aprendizado musical. Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP.

Gomes, Lorena; Amaral, Juliana Bezerra do. Os efeitos da utilização da música para os idosos: Revisão Sistemática.

Luz, M. C. Educação musical na maturidade. São Paulo: Editora Som, 2008.

Rocha, V. C.; Boggio, P. S. A música por uma óptica neurocientífica. Per Music, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.132-140

Sacks, Oliver. Alucinações Musicais: relatos sobre a música e o cérebro; tradução: Laura Teixeira Motta – São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Sloboda, John A. A mente musical: psicologia cognitiva da música; tradução: Beatriz Ilari e Rodolfo Illari. Londrina: EDUEL, 2008.

Stateri, J. Julio. O som inteligente: musicoterapia e educação musical. Salto, SP: FoxTablet, 2016.

 

Links acessados:

 

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Abordagem interdisciplinar entre Música e Neurociências: estratégias de fomento e inserção curricular no ensino superior.

Cuervo, Luciane.; Rosat R. M Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/orfeu/article/view/1059652525530403012018172/9010>. Acesso em 23 de setembro de 2019.

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A música por uma ótica neurocientífica.

Rocha, Viviane Cristina da, Boggio Paulo Sérgio. Disponível em: <https://www.academia.edu/11291301/A_m%C3%BAsica_por_uma_%C3%B3ptica_neurocient%C3%ADfica_A_neuroscientific_perspective_on_music>. Acesso em 22 de setembro de 2019.

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Can you intervention improve memory in Alzeheimer´s patients?. Moreira, Justi, Moreira, Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1980-57642018000200133>. Acesso em 22 de outubro de 2019.

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Souza, Cristina Miriam S. e; Leão, Eliane. Terceira Idade e Música: perspectivas para uma educação musical. Disponível em:< http://antigo.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2006/CDROM/COM/01_Com_EdMus/sessao02/01COM_EdMus_0205-144.pdf>.Acesso em 17 de novembro de 2019.

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Simone Monteiro Pupo – Licenciada  em Educação Artística; Pós-Graduada em Educação Musical ; Pós Graduada em Neuroeducação Musical; . Diplomada como organista pela Ordem dos Músicos do Brasil; Estudou harmonia e improvisação com o Maestro Juan Jose Calatayud, Laboratório de Música Computadorizada com Gerry Magallan (Illinois State University); Piano clássico com Maria Barufald;  Violão popular com NidaBertoncini de Barros; Criação e produção de arranjos pela empresa Synthex  e Canto com Paulo Sergio de Brito.

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