Música e Qualidade de Vida: o caso da comunidade surda

Este trabalho discorre sobre a inserção da música na comunidade surda. Inicialmente, discorre sobre a história da comunidade surda e trata dos benefícios individuais e coletivos alcançados pelos surdos através do aprendizado da música, além do seu papel na inclusão social. A seguir, discorre sobre como devem ser preparadas e desenvolvidas as atividades musicais para surdos segundo os autores pesquisados (PEREIRA, 2012, FINCK, 2009, MANIFOLD, 2008, HASH, 2003, GOULART 2000, DARROW, STARMER, 1986, DARROW, 1985, ATKINS, DONOVAN, 1984, EDWARDS, 1974), apresentando abordagens que utilizam a percussão corporal, a inclusão do surdo em banda ou orquestra e sua relação com os instrumentos musicais, além de refletir sobre a adaptação de métodos de ensino de Dalcroze, Kodály, Orff e Suzuki quando aplicados aos surdos.

NDCS – Every deaf child – SOCIEDADE NACIONAL DE CRIANÇAS SURDA – 2018, como tornar atividades musicais a jovens e crianças surdas.

Palavras-chave: benefícios da música para o surdo, atividades musicais com o surdo, inclusão social.

INTRODUÇÃO

            A escolha do tema para esta monografia foi inspirada em um trabalho realizado com uma aluna que possui a deficiência auditiva. Ao iniciar o processo de musicalização da aluna e o ensino do instrumento musical teclado para a mesma, despertaram-se curiosidades de como o surdo “ouve”, sente, aprende e executa a música; percebendo o desenvolvimento musical da aluna, foi também se destacando os benefícios que a música proporcionava em sua vida. Sendo assim, produziu-se o tema principal desta monografia: “Música e qualidade de vida: o caso da comunidade surda”. Da mesma forma, despertou-se o interesse em buscar respostas a tantas indagações, sendo uma delas, a mais intrigante, como o surdo aprende a música se não ouvem?

            Nesta monografia temos, como objetivo, relatar a relação da música com o bem-estar e benefícios que ela traz para o surdo; mencionar como a música faz parte da vida do surdo ajudando, de certa forma, na inclusão social e motivando-os a interação, comunicação e no desenvolvimento físico e cognitivo (FINCK, 2009; EDWARDS, 1974). Ainda buscamos nos informar da capacidade dos surdos aprenderem a tocar um instrumento musical, como eles podem participar de bandas, orquestras (HASH, 2003) e música vocal (DARROW, STARMER, 1986; DARROW, 1985; ATKINS, DONOVAN, 1984); além disso qual o instrumento musical mais apropriado para eles.

            No capítulo 1, destaco brevemente o histórico da cultura na comunidade surda desde a antiguidade observando o progresso na aceitação do surdo dentro das atividades sociais (STROBEL, 2009; MERSELIAN, VITALIANO, 2009; SILVA, 2007). Tratamos também sobre as relações desta comunidade com debates internos como o caso do implante coclear além de discutirmos, mais especificamente, a relação da comunidade surda com a música (TREHUB et al, 2009; ABOTOMEY, 2008).

            No capítulo 2, destaco a importância da música na inclusão social, visando o papel da sociedade e o preparo dos professores ao lidar com portadores de necessidades especiais para assumirem seu papel na sociedade. Para isso, são destacados os benefícios individuais e coletivos que a música proporciona a estes indivíduos (PEREIRA, 2012; ROBERTO, 2010; FINCK 2009; SILVA, 2007; SILVA, 2007; SOUZA, MACEDO 2002).

            No capítulo 3, trato da importância da música para os surdos, frisando seus benefícios e a opinião dos mesmos quanto a este aprendizado. Descrevemos várias atividades musicais para os surdos que são essenciais no seu desenvolvimento cognitivo, social, dentre outros, procurando esclarecer como o professor de música precisa se preparar para o seu papel neste trabalho (FINCK, 2009, HASH, 2003); citamos ainda algumas metodologias que podem ser adaptadas a estes alunos como por exemplo a metodologia de alguns educadores como, Émile Jaques Dalcroze, Carl Orff, Zoltán Kodály e Shinichi Suzuki (FINCK, 2009; MANIFOLD, 2008; GOULART, 2000).

        No capítulo 4 destaco a importância de tornar a música acessível a jovens e crianças1 surdas e melhor idade para inserir a criança no ambiente musical.  

CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO DA CULTURA E DA MÚSICA DENTRO DA COMUNIDADE SURDA

1.1 – BREVE TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS SURDOS E SUA EDUCAÇÃO

            Desde a Idade Antiga encontram-se registros da presença do sujeito surdo na sociedade. Como indício, se pode citar a passagem em Cratylus de Plato, onde há um diálogo entre Sócrates e Hermógenes:

“Suponha que nós não tenhamos voz ou língua, e queiramos indicar objetos um ao outro. Não devemos nós, como os surdos-mudos, fazer sinais com as mãos, a cabeça e o resto do corpo?” Hermógenes respondeu: “Como poderia ser de outra maneira Sócrates?” (Cratylus de Plato, discípulo e cronista, 368 a.C.).

            Segundo Strobel (2009, p. 17-22), na Idade Média observam-se registros do preconceito com o surdo e a negação de direitos compartilhados pela sociedade da época, no entanto, a partir da Idade Moderna, desde o Renascimento, a visão começa a ser mais positiva em relação aos surdos que, mesmo ainda vistos como deficientes, começavam a serem vistos como membros da sociedade. Para tanto, neste período foi criado a primeira escola para surdos onde ensinavam-se diversas disciplinas, mas que até o momento não incluía o ensino da música; mesmo a primeira escola pública para surdos (Instituto para Jovens Surdos e Mudos de Paris) ainda não incluía esta disciplina.

            Foi a partir desta iniciativa na França que os surdos contaram, na América, com escolas voltadas ao ensino da língua de sinais e tentativas de novos métodos começaram a surgir como, por exemplo, a “Fala Visível” (Estados Unidos, 1846)  onde eram utilizados desenhos de partes da boca e garganta para que os surdos pudessem imitar a fala do professor  (STROBEL, 2009, p.23-24).

            Mesmo havendo uma data que marcou o início do ensino da língua de sinais, ainda não se encontra registros de quando os homens começaram a desenvolver comunicações que pudessem ser consideradas línguas. Assim como as línguas de modalidade oral-auditiva, as línguas de sinais não têm registro da sua utilização, mas o que se afirma é que ela existe há muitos anos (SILVA, 2007, p. 8).

            A história da educação formal de surdos no Brasil começa na segunda metade do século XVIII, com o professor Ernest Huet que, financiado pelo imperador D. Pedro II traz de Paris conhecimentos que lhe permitem fundar o “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, hoje, INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, em 26 de setembro de 1857, neste instituto a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) recebe as influências francesas que possui até os dias de hoje.

            Ernest Huet deixa o cargo para Frei do Carmo, que ficou apenas um ano no cargo, que em seguida foi ocupado por Dr. Manoel Magalhães em 1862. Deste ano até 1868, o INES acabou se tornando um asilo para surdos, administração que foi corrigida com a retirada do Dr. Manoel e a entrada de Tobias Leite (STROBEL, 2009, p. 25).

            Em 1880, o Congresso Internacional de Surdos, em Milão, chegava à conclusão de que deveria ser utilizado um método que proibisse o uso da língua de sinais nas instituições de ensino, justificando que ela destruía a capacidade de fala dos surdos, pois se acreditava que a comunicação tradicional com palavras era muito superior à comunicação por gestos (SILVA et al, 2006, p. 324, apud MERSELIAN, VITALIANO, 2009, p. 06). Este método foi chamado de Oralismo e sua intenção era forçar o surdo a falar e desenvolver uma competência linguística oral, desenvolvendo o seu lado emocional, cognitivo e social, tornando-o um ser produtivo para a sociedade das pessoas ouvintes (CAPOVILLA, 2001, s/p apud SILVA, 2007, p. 10). Este método não obteve pleno sucesso, poucos surdos conseguiam se oralizar de modo suficiente pelo fato de muitos fonemas possuírem a mesma articulação.

            No entanto, o resultado deste congresso ainda se refletiu em 1957, com a proibição, por meio da Lei 3.198, de 6 de julho, do uso da língua de sinais dentro do próprio INES, porém ela não alcançou efeito prático, pois os surdos continuaram a se comunicar com a língua de sinais dentro da instituição (STROBEL, 2009, p. 27).

            A partir dos anos 70, foi criada, no Rio de Janeiro, a FENEIDA (Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos) que, em 1987, se tornou a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos). Esta instituição teve grande importância em conjunto com o MEC (Ministério da Educação) em 2002, auxiliando na formação de agentes multiplicadores da LIBRAS (STROBEL, 2009, p. 28-29).

            Uma filosofia educacional que se fortaleceu, por volta de 1970, foi a Comunicação Total, que se baseava na fala sinalizada por gestos; fazia-se o uso da língua de sinais adicionando aspectos da língua falada. Neste caso, “a ordem de produção dos sinais segue sempre a ordem da produção das palavras da língua falada, que é emitida simultaneamente” (CAPOVILLA, 2006, p. 1483, apud SILVA, 2007, p. 12).

            Com a utilização da Comunicação Total notou-se maior desenvolvimento dos alunos na escola e no seu cotidiano, meio pelo qual os surdos se comunicavam ativamente com familiares e professores (CAPOVILLA, 2006, apud SILVA, 2007, p. 12). Um dos recursos usados na Comunicação Total é a “soletração digital”, que utiliza o alfabeto manual baseando-se nas letras da escrita alfabética. A soletração digital não facilita a comunicação e, em muitos casos, os surdos não conhecem a palavra que está sendo soletrada, podendo, assim, se confundir e não entender a mensagem que está sendo transmitida (SILVA, 2007, p. 12).

            Mesmo notando-se uma melhor comunicação entre os surdos através da Comunicação Total, sendo esta avaliada como melhor que a oralização, este método continuou sendo questionado. Muitos professores concluíram que a língua falada não parecia ser necessária, quando apresentada junto com a língua de sinais. Descobriu-se que a língua de sinais tinha uma estrutura mais rica e que seria mais complicado lidar com duas línguas ao mesmo tempo, por ter que se trabalhar, desnecessariamente, com métodos diferentes simultaneamente. Sendo assim, segundo Moura (2001 apud SILVA, 2007, p. 12), a comunicação através de sinais passou a ser reconhecida como língua relatando que,

O movimento dos surdos que desejavam ver a sua língua e cultura reconhecidas teve, em parte, o resultado desejado, isto é, a implantação de um sistema de educação que considerava que a primeira língua a ser adquirida pela criança surda deveria ser a língua de sinais. Digo, em parte, porque esta conquista não estabeleceu (e não está estabelecida até os dias de hoje na maioria dos países). (MOURA, 2001, p. 73 apud SILVA, 2007, p. 12).

            Após este reconhecimento, foi concretizado o bilinguismo. Segundo este método, os surdos deveriam ser bilíngues, ou seja, deveriam ser fluentes na sua língua de sinais e na língua escrita da sociedade em que pertenciam (MOURA, 2001, apud SILVA, 2007, p. 13).

            Embora o bilinguismo seja eficaz na educação, por garantir a participação dos surdos como cidadãos críticos e interessados em seus direitos e deveres, ainda não se comprova que este seja um método adotado com exclusividade (SILVA, 2007, p. 14).

            Com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, instituições brasileiras de ensino superior são obrigadas a incluir o curso de libras na grade curricular dos cursos de licenciatura[1] o que incentiva também a criação, no estado de Santa Catarina, no ano de 2006, do primeiro curso de educação superior no Brasil voltado à formação em LIBRAS e a educação de surdos (QUADROS, STUMPF, 2009, p. 169-185).

            Os estudos e pesquisas sobre as línguas de sinais mostram que elas se comparam, com a mesma complexidade e expressividade, a quaisquer línguas orais. Através desta língua, seus usuários podem discutir, trabalhar e utilizá-las como função estética para fazer poesias, histórias, teatro e humor (SILVA, 2007, p. 8).

1.2 – ARTE E CULTURA DA COMUNIDADE SURDA

            Com base na definição de Karl Marx, Gomes (2005, p. 2) define cultura como uma mediação entre a sociedade e a natureza e, ao mesmo tempo, uma mediação entre os homens, configurando “as relações sociais em um determinado modo de vida” (GOMES, 2005, p.2). Se relacionarmos este modo de vida às relações existentes entre as pessoas dentro de um grupo específico, podemos concluir que a comunidade surda possui esta necessidade de interagir com os ouvintes pois vivem no mesmo universo social[2].

            Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 71), um dos significados contemporâneos de arte é: “a capacidade ou atividade humana de criação plástica ou musical”; a arte depende somente da ação humana para que ela possa existir. Não há restrições quanto às capacidades físicas para que a mesma aconteça, basta pôr em prática a prévia vontade de criar (CRUZ, 2009, p. 13), logo, não há motivos para que a comunidade surda, inserida em um universo de ouvintes, não tenha esta mesma aspiração de “fazer arte”.

            Em um primeiro ponto de vista, a comunidade surda pode ser definida como uma comunidade que usa a linguagem de sinais para se comunicar (PADDEN, HUMPHRIES, 1988, p. 1, apud ABOTOMEY, 2008, p. 10), assim como pessoas pelo mundo inteiro e de várias línguas se comunicam com a(s) língua(s) falada(s) oficial(is) do país ou com seus dialetos e sotaques regionais. Sendo assim, tanto para o surdo que possui a língua de sinais e conhece a escrita da língua vernácula, como para os falantes que conhecem esta mesma língua escrita temos, no mínimo, duas formas primárias de comunicação.

            Partindo deste ponto, fica importante ressaltar que a definição dos surdos como comunidade e como uma cultura distinta não pode se basear apenas no fato de que eles compartilham uma mesma característica física, mas também no seu dia a dia, em suas experiências linguísticas, na sua própria forma de arte.(PADDEN, HUMPHRIES, 1988, p. 1, apud ABOTOMEY, 2008, p. 3).

            Maher (2001, p. 135, apud SANTANA, BERGAMO, 2005, p. 568), no entanto, diz que “A construção da identidade não é do domínio exclusivo de língua alguma. Embora ela seja sempre, da ordem do discurso”. Essa observação nos faz refletir sobre a relevância que a língua de sinais pode ter dentro da comunidade surda e da identidade individual de cada surdo, pois tem proporcionado a inversão do valor que a ferramenta (língua) tem sobre a sua identidade social.

            Santana e Bergamo(2005) nos esclarece este ponto:

Se a identidade está relacionada a práticas sociais de uma complexidade muito maior, por que a língua, e apenas ela, é tomada como o instrumento por excelência de sua constituição e definição? Qual é o significado dessa inversão, desse jogo teórico que toma a língua, num primeiro momento, como determinada pelas práticas e interações sociais e, num segundo, faz dela a definidora dessas mesmas práticas?(SANTANA, BERGAMO, 2005, p. 568).

            Estes dois pontos de vista (ABOTOMEY, 2008; SANTANA, BERGAMO, 2005) se completam pois ambos nos levam a considerar a linguagem de sinais como um meio pelo qual a cultura surda se propaga. Mas a cultura não se limita à língua e seria irreal finalizar esta discussão sem considerar que surdos e ouvintes estão inseridos na mesma coletividade (SANTANA, BERGAMO, 2005, p. 573), onde se expressam das mais diversas formas que, dentro da proposta desta monografia, estão incluídas as artes.

            Atualmente, há projetos de várias áreas das artes realizados pelos surdos: artes plásticas, dança, música, teatro, cinema (curtas e longas-metragens), histórias infantis adaptadas à língua de sinais, poesia; além de projetos que não possuem reconhecimento artístico de forma direta, mas que se relacionam diretamente com a arte: propaganda e televisão (artes visuais), festas e discotecas (dança e música), etc.[3]

            Estes artistas representam, de maneira concreta, uma parcela da comunidade que transcende o senso comum de que o surdo é “aquele que não ouve” ou “aquele que fala com língua de sinais”, eles são os cidadãos que participam ativamente da sociedade sem a obrigação de utilizar de meios que não façam parte de sua natureza e, assim como apreciam a arte dos ouvintes, estes também podem ter sua arte apreciada.

1.3 –    O IMPLANTE COCLEAR COMO MODIFICADOR DA CULTURA SURDA

            Um dos debates existentes dentro da comunidade surda está relacionado ao implante coclear[4]. Para alguns surdos, o implante afronta fortemente as raízes desta comunidade, podendo representar uma ameaça à sua cultura (particularmente sua língua) e pode “privar uma criança de acessar altos níveis de desenvolvimento psicossocial, felicidade pessoal e melhor qualidade de vida, negando sua identidade surda” (BESS, HUMES, 2003, apud ABOTOMEY, 2008, p. 3). Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde considera o implante coclear como “a segunda cirurgia que proporciona melhor qualidade de vida ao usuário”[5], trazendo maior contato com a sociedade na qual estão inseridos, empiricamente existente para as atividades dos ouvintes.

            Este aparelho não possui uma precisão muito grande para afinações; de fato, adultos normalmente conseguem obter uma precisão de 4 a 12 semitons, ou seja, é necessário que duas notas sejam tocadas com diferenças acima destes intervalos (que varia de pessoa para pessoa) para que ela reconheça que houve uma mudança na afinação, enquanto nos ouvintes naturais essa diferença pode ser observada entre microtons[6], e além de problemas com a altura, a imprecisão do implante afeta o reconhecimento de timbre, muitas vezes até para timbres de diferentes naipes (TREHUB et al, 2009, p. 534).

            Por estas informações, podemos concluir que o reconhecimento da música é diretamente afetado pelo implante que, por mais que auxilie no reconhecimento do som, poderia proporcionar uma experiência frustrante ao surdo pelo fato dele não reconhecer a música da maneira como os ouvintes a reconhecem. No entanto, podemos encarar esta nova experiência (sonora) como o nascimento de uma cultura auditiva, se compararmos ao costume que os povos orientais têm em trabalhar com microtons em sua música, ou mesmo os modernistas e vanguardistas ocidentais que abusaram do uso de intervalos fora de uma escala tonal e também dos microtons que normalmente causam estranhamento ao ouvido ocidental.

            Mais pesquisas compiladas por Trehub et al (2009, p. 535) mostram que as crianças com implante coclear gostam de música e buscam se envolver com ela participando de atividades musicais, comparecendo a concertos e assistindo a aulas de instrumento, no entanto, ainda não há pesquisas que comparem diretamente a compreensão da música entre crianças e adultos surdos; o que há, é uma pesquisa de Vongpaisal et al. (2006, p. 1091-1103, apud TREHUB, 2009, p. 536) que compara o reconhecimento de músicas populares (na época do estudo)  entre crianças e adultos com implante e entre ouvintes e surdos com implante, tendo como base o reconhecimento da música com arranjo completo (original), da música apenas instrumental (mesmo arranjo original porém sem o canto), e da melodia (tocada por um teclado sintetizador).

            Estes estudos revelaram que, nas versões originais e instrumentais, os surdos, crianças e adultos, tiveram uma taxa de reconhecimento da música acima de 80% e na versão apenas com a melodia adultos mantiveram a média de 80% enquanto a média das crianças caiu pela metade (50%). Na comparação entre surdos e ouvintes, nos dois primeiros casos (original e instrumental), os ouvintes obtiveram uma média por volta dos 95%, enquanto os surdos obtiveram médias de 90% e 60% respectivamente. Para a melodia sintetizada, os ouvintes tiveram média de 75%, enquanto a média dos surdos foi de apenas 10% (VONGPAISAL, 2006, p. 1091-1103 apud TREHUB, 2009, p. 536). Este estudo pode nos indicar que surdos reconhecem mais o arranjo musical do que a própria melodia, o que pode nos ajudar a pensar novas maneiras de como métodos para o ensino de surdos devem ser desenvolvidos.

            A música e outras artes, quando se torna importante na vida do surdo, lhe trará um contato maior com a realidade vivenciada pelos ouvintes, mas mesmo com tecnologias como o implante coclear, que podem mudar completamente a vida de uma pessoa surda ao fazê-la participar da experiência sonora dos ouvintes, os surdos não deixarão de ter sua identidade – no máximo ela passará por um processo de evolução e atualização e não de uma negação das origens, conforme reivindicado no texto de Bess e Humes (2003, apud ABOTOMEY, 2008, p. 3).

1.4 – BREVE HISTÓRIA E IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NA COMUNIDADE SURDA

            A música, no século XVIII, era vista por Turner (1848, apud EDWARDS, 1974 p. 3) como impossível para o surdo, pois esta era representada pelo som, algo exclusivo do mundo dos ouvintes e, assim, os surdos nunca conseguiriam entender o que é o som; logo, também não entenderiam a música.

            Porém, contraditoriamente, Ludwig van Beethoven (1770-1827), aos 27 anos de idade já apresentava sintomas de surdez e, aos 30, comunicava a um amigo médico através de uma carta, sobre sua perda parcial da audição:

“(…) Minha audição tem piorado nos últimos três anos (…)  Para você ter ideia de minha extraordinária surdez, devo-lhe contar que no teatro eu sou obrigado a me inclinar muito próximo à orquestra para entender os atores e quando fico um pouco distante não ouço nenhuma das notas agudas dos instrumentos ou cantores (…) Frequentemente eu posso ouvir o som de uma conversa baixa, mas não consigo entender as palavras” (L. V. BEETHOVEN, 1801, apud HUXTABLE, 2000, p. 2, tradução nossa).

            Mas nem por isso ele deixou de compor por mais de vinte anos, inclusive, quando já possuía surdez total, Beethoven finalizou a Missa solemnis, escreveu a Nona Sinfonia e também seus seis últimos quartetos de cordas incluindo a Große Fuge opus 133, além de sonatas para piano (HUXTABLE, 2000, p. 5).

            Na literatura, fica evidente que a função da música na vida do surdo foi sempre em prol de um benefício secundário ao aprendizado da música como arte em si. Henderson (1930, apud EDWARDS, 1974, p. 40) escreveu sobre a relação dos surdos com a música, citando algumas características resultantes do seu aprendizado, tais como naturalidade da voz, melhor articulação dos movimentos, melhor atenção, melhora na sociabilização por ter conhecimento das atividades dos ouvintes e porque foram treinados para responder ao ritmo da dança.

            Ainda destacando os benefícios e a importância da introdução da música na comunidade surda, Haguiara-Cervellini (1983, s/p apud FINCK, 2009, p. 55) complementa que o principal objetivo do desenvolvimento do trabalho de educação musical nas escolas especiais no Brasil e direcionados aos alunos surdos destacou-se, por algum tempo, em utilizar a música como um meio para buscar melhorias na comunicação oral. Em opinião da autora a música é utilizada na educação especial não para fins musicais, mas sim como um caminho para levar a criança surda a desenvolver uma fala mais rítmica e modulada. Para ela, a maior importância em utilizar a música nas escolas especiais consistia em melhorar o ritmo da fala, bem como sua entonação, corrigir a fala alterada, desenvolver aspectos perceptuais auditivos, conscientizando a criança surda da variedade de sons e vibrações produzidas ao seu redor.

            Todos os relatos acima nos mostram que a música, ao longo da história da comunidade surda, eram ensinadas aos surdos com propósitos não musicais. Sendo assim, a demonstração de que as atividades musicais não fazem parte das atividades exercidas naturalmente pelo surdo parece dar a ideia de que, para ser musical e apreciar esta linguagem, é necessário ser ouvinte. Neste ponto de vista, para Haguiara-Cervellini (1983, s/p apud FINCK, 2009, p. 56) a musicalidade seria um atributo somente de quem tem uma boa audição, talento e criatividade, e para ela estes seriam os elementos que constituem a representação social do ser musical.

            Segundo Sá (2009, p. 2), dentro da própria comunidade surda tem surgido muitas manifestações de insatisfação por parte dos surdos, geralmente adultos, que, ao analisarem a maneira de como está sendo feita a inclusão da música na comunidade surda, sentem-se agredidos pelo fato de que muitas abordagens passam a impressão de que muitos surdos estão sendo forçados a participar de algo que não considera suas características biológicas, que atenta contra sua identidade, que não está dentro da cultura surda e é uma imposição dos ouvintes. Para a autora, estamos tratando de um território contestado; sendo assim, é preciso que alguns pressupostos sejam definidos, para que se possa concluir algo que consiga um sucesso na relação do surdo com a música, ou dentro da proposta pedagógica utilizar a Educação Musical para auxiliar o surdo a desenvolver-se como pessoas que reflete sobre todo o seu contexto social.

            Sá (2009, p. 2) nos diz sobre a importância de questionar os objetivos pedagógicos que persistem com as atividades musicais para surdos: o que se deseja é oferecer aos surdos o direito de conhecer à cultura humana ou obrigá-los a participar de algo que não faz sentido para eles? Se trata de oferta ou de obrigatoriedade?

            Para Sá (2009, p. 4),

Independente das diferenças que existem entres os surdos, a surdez impõem-se como uma característica que ultrapassa as determinações de classe, de gênero, de raça fazendo com que se possa falar dos surdos como um grupo que compartilha modos de existir e que, por causa desta característica ressaltante, tendem a formar comunidades que compartilham experiências, interpretações, significados e representações. Isto faz com que seja possível dizer que os surdos, de modo geral, não tem muito interesse pela música, sabendo-se que esta informaçãonão envolve todos os surdos. Da mesma forma que se pode afirmar que os surdos, de modo geral, têm muito interesse pela dança, sabendo-se também que esta informação não envolve todos os surdos.

            Comprova-se, então, que os surdos têm direito à aprendizagem musical. Porém, dentro de sua comunidade existem vários pontos de vista de como a música pode ser utilizada em sua educação, seja ela apenas como um benefício mental, afetivo ou até mesmo em sua formação social.

CAPÍTULO 2 – RELAÇÕES BENÉFICAS ENTRE A MÚSICA E A INCLUSÃO

            Em nosso país, a Educação Musical para surdos ainda é uma área pouco explorada, o que dificulta a realização de projetos e de ações práticas. Além de hoje entrar no currículo escolar, a Educação Musical estimula a inclusão de uma grande escala de alunos. Em todas as áreas é necessário abrir espaço para a inclusão, e na música isto não seria diferente, principalmente porque há surdos que buscam oportunidades para se expressar através da música.

            Para Oliveira (2007):

Inclusão social é um o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, nos seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e simultaneamente estas se preparam para assumir seus papeis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade, buscam em parceria diminuir problemas, decidir sobre soluções e proporcionar oportunidades para todos (OLIVEIRA, 2007, p. 12 apud SILVA, 2007, p. 19).

            De acordo com a colocação de Souza e Macedo (2002, p. 18), “os professores comprometidos com a proposta da inclusão devem acreditar no potencial desses alunos, no seu desempenho para que os mesmos se sintam úteis na sociedade”. Beyer diz que “Educar é confrontar-se com esta diversidade” (BEYER, 2005, p. 27 apud SILVA, 2007, p. 20).

            Para Piaget (2002, s/p apud PEREIRA, 2012, p. 3), o professor não deve focar somente um método, mas sim ter conhecimentos a tantos outros possíveis para que tenha inúmeras opções de abordagens das situações de aprendizagem.           

            Um dos grandes problemas para o início das atividades musicais com pessoas surdas é a comunicação, e o conhecimento de LIBRAS por parte dos professores poderia ser uma solução que resolveria este problema, além de ser essencial uma boa relação entre as partes (SOUZA, 2002, s/p apud PEREIRA, 2012, p. 2).

            A escola inclusiva busca respeitar e valorizar os alunos com a característica de cada um e isto é a base da Sociedade para Todos, que acolhe os cidadãos e se modifica, garantindo assim que seus direitos sejam respeitados (CRESPO, 2005, s/p, apud PEREIRA, 2012, p. 2). Por este lado, dar a oportunidade dos surdos experimentarem a vivência musical os distancia da desigualdade e esta deve ser desenvolvida como mais uma forma de inclusão social (SOUZA, 2002, s/p apud PEREIRA, 2012, p. 2).

            Desenvolver e trabalhar a música com o deficiente auditivo tem vários objetivos, algum destes podem ser: a utilização da música com fins de enriquecimento do vocabulário, melhoria da autoimagem, estimulação da leitura labial, desenvolvimento da ritmicidade na fala e introdução ao mundo sonoro. Portanto, toda criança deve ser estimulada a descobrir e a perceber as vibrações sonoras através do seu corpo, tocar instrumentos, realizar movimentos rítmicos e se expressar utilizando todos os seus sentidos (ROBERTO, 2010, p. 21).

            A música, como uma produção cultural, sempre manteve uma relação íntima com o ser humano, e na maioria das vezes na vida de crianças e jovens. Estes também utilizam a música para se comunicar e expressar seus sentimentos, pois a música pode ser um meio pelo qual chega-se à descoberta da alegria, da expressão individual através do canto, da dança e dos conjuntos musicais. Ela dá identidade ao grupo de amigos, é sempre uma companheira nos momentos de alegria ou solidão ajudando a construir atitudes e comportamentos. Desenvolve a criatividade, levando a criança a desenvolver atividades rítmicas, melódicas, desenhos, dança e criação de histórias, e estas atividades criativas e espontâneas devem sempre ser estimuladas através dessa arte (ROBERTO, 2010, p. 20).

            Buscando conceitos sobre música e inclusão é comum encontrarmos informações de que a música facilita o aprendizado do aluno deficiente, dando a eles a capacidade de aprender a falar, brincar, comunicar, dançar, por exemplo. “As experiências musicais são valiosas para a maturação emocional e o desenvolvimento de qualquer criança especialmente para a criança especial cujas experiências são, algumas vezes, mais limitadas” (LELLIS, 2000, apud FINCK, 2009, p. 49).

            Muitos pesquisadores (GLENNIE, 2008, DARROW, 2007, 2006, 2003, 1999, BENARI, 2003, SALMON, 2003, HASH, 2003, HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, 1987, SHUNCK, 1996, EDWARDS, 1974) ainda apoiam que a inserção dos alunos com deficiência auditiva nas aulas de música transcende o objetivo de proporcionar apenas a integração social durante as atividades, ressaltando que, com estas atividades, as crianças podem melhorar também a coordenação motora através da expressão corporal, aprendendo o ritmo, harmonia, melodia como experiência de grande valor, tanto para os alunos surdos, professores e demais alunos na sala de aula. Aceitar as possibilidades musicais e acreditar no aluno surdo mostram-se condições importantes para uma representação dele como ser musical.

            Sendo assim, o ensino da música logo na infância pode ser fundamental para a construção do conhecimento musical do surdo, além disso, beneficia sua formação e desenvolvimento de sensibilidade (FINCK 2009, p. 60).

            A música é vista como “algo que as pessoas surdas não podem fazer uma vez que já se trata de um fenômeno que deva ser experimentado através da audição” (CRUZ, 1997, s/p apud FINCK, 2009, p. 59). A autora afirma que esta ideia vem se perpetuando por muitos anos, sem realmente haver alguma reflexão sobre a possibilidade ou não da realização desta atividade. Para ela, restringir a música na vida do surdo transformou-se em um “conceito ideológico” e este foi imposto à comunidade surda como um meio de identidade cultural. (FINCK, 2009, p. 54).

            Haguiara-Cervellini (2003 p. 75) afirma que,

como uma das artes que promovem a experiência do belo e contribuem para a manifestação de sentimentos e emoções, a música tem uma participação relevante na construção de um “eu” mais saudável e verdadeiro.

            Para a autora,

A musicalidade é a possibilidade que o homem tem de expressar a música interna, ou entrar em sintonia com a música externa, por meio do seu corpo e seus movimentos, por meio da sua voz, cantando, do tocar, do perceber um instrumento sonoro musical ou não, ou de uma escuta musical atentiva.

            Para ela, a música interna pode ser aquela vivida no ambiente sonoro e internalizada, vem de uma audição interna pela qual o indivíduo pode senti-la mentalmente na sua memória.

            Mediante estas afirmações de Haguiara-Cervellini (2003), podemos associar que a música é para todos e que para senti-la não é preciso, necessariamente, ouvir, mas sim poder expressar a música interna e, mesmo sendo surdo, poder senti-la com o corpo, mediante suas vibrações.

            Segundo Haguiara-Cervellini (2003, p. 76), existem várias possibilidades de expressar a música corporalmente; se um indivíduo vivencia com sua audição interior qualquer estrutura rítmica, esta pode ser expressa cantarolando, percutindo o chão com os pés, ou até mesmo tamborilando uma mesa com os dedos.

            Sendo assim, para a autora,

O ser humano dificilmente permanecerá impassível perante uma banda ou uma escola de samba desfilando na avenida. O ritmo musical mexe com os ritmos internos, com o pulsar do coração, com a respiração, com o andar. Diante de um ritmo marcante surge o movimento espontâneo dos pés, o tamborilar dos dedos, o balanço da cabeça ou do corpo, o cantarolar. Ritmo é vida e quem está vivo não escapa dele. (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p. 76)

            Através do ritmo, podemos construir reflexos espontâneos e involuntários, como, por exemplo, marcar a pulsação da música batendo os dedos ou os pés, e isto quando ocorre dentro do tempo exato, coincidindo com o som, trata-se da sincronização sensório-motora (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.76).

            Em uma pesquisa feita por Haguiara-Cervellini (1983, p. 04) seus resultados afirmam que as crianças com deficiência auditiva é sensível à música; elas gostam e desejam a música e se expressam cantando, tocando e dançando espontaneamente. A criança usa seu corpo para viver a música e, desta forma, ela se descontrai e desenvolve a sua criatividade. Nessa pesquisa, as crianças também demonstraram manifestações rítmicas e melódico vocais espontâneas, comprovando que a música é sim, possível aos deficientes auditivos (DA).

            Para Sacks (1997, apud FINCK 2009 p. 51), o poder na música, assim como o da narrativa e do drama, tem uma enorme importância prática e teórica. Isto se percebe até mesmo no caso de alunos com deficiência que apresentam extrema incapacidade e confusão motora. Sacks afirma que:

Vemos que alunos incapazes de realizar tarefas muito simples compostas talvez de quatro ou cinco movimentos ou procedimentos em sequências, conseguem executá-las perfeitamente se trabalharem com música – a sequência de movimentos que eles não conseguem manter como esquemas se tornam perfeitamente possível de ser mantida com música, ou seja, embutida na música. (SACKS, 1997, p. 206 apud FINCK, 2009, p. 51)

               Para o autor, esta deficiência nos procedimentos, ou idiotia motora, desaparece de imediato quando a música é utilizada. Para ele, a música seria capaz de organizar de modo eficaz, além de prazeroso, quando formas de organização abstratas ou esquemáticas falham. Portanto, para Sacks, a música, ou qualquer outra forma de narrativa, é essencial no trabalho com deficientes mental ou apráxicos, assim qualquer atividade de ensino ou terapia, deveria ter por base a música ou algo equivalente.

            Para Lellis (2000, p. 29 apud FINCK 2009 p. 51) a experiência musical tem grande valor, pois esta possibilita a autoexpressão e também “ajuda a criança especial a ser mais espontânea, contribuindo para o desenvolvimento e crescimento mais harmoniosos”.

            Desta forma, sendo a música essencial para a organização da criança, a possibilidade de inclusão se amplia no momento em que se torna um novo modo de fazer atividades como: conhecer e relacionar-se com pessoas e explorar os objetos. A incapacidade apenas identifica uma deficiência que deve ser considerada, apenas, como fator que restringe e limita certas ações humanas; porém, esta deficiência, não impede a realização de várias atividades que garantem a independência desta criança e sua autorrealização como um ser participante da sociedade (FINCK, 2009, p. 51).

            Para educar o surdo são utilizados diferentes parâmetros que se utiliza com os ouvintes, porém, isto não confirma que não se pode compartilhar alunos surdos com ouvintes. Mais uma vez citamos a vibração; esta é um parâmetro muito importante na vida dos surdos, pois é através dela que eles conseguem diferenciar os timbres que para os ouvintes são diferenciados através da audição (SILVA 2007 p. 18). Segundo Haguiara-Cervellini (2003, p. 79) “a pele é o órgão dos sentidos mais vital”, sendo assim, podemos viver sem audição, olfato, paladar, visão, mas a pele é essencial, pois estabelece limites no corpo estabelecendo relação com o mundo exterior (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003 apud SILVA, 2007, p. 18).

            Segundo Silva (2007, p. 18) os surdos reagem à música utilizando o toque, sendo assim é possível captar vibrações das ondas sonoras por todo seu corpo, através da pele e ossos.

Além disso, os que têm surdez mais profunda conseguem ouvir ruídos de vários tipos e ser sensíveis a vibrações de toda espécie. Essa sensibilidade às vibrações pode tornar-se um tipo de sentido acessório: por exemplo, Lucy K., embora profundamente surda, é capaz de avaliar de imediato um acorde como “dominante” colocando a mão sobre o piano, e consegue interpretar vozes em telefones com grande amplificação; em ambos os casos, o que ela parece perceber são vibrações, e não sons. (SACKS, 1998, p. 21 apud SILVA, 2007, p. 18).

            De certa forma podemos dizer que a relação entre música e surdez não é um paradoxo. Podemos observar que o surdo, embora utilize somente a vibração, consegue identificar aspectos musicais que nós ouvintes, por hábito, só identificamos através da audição (SILVA, 2007, p. 19).

            Segundo Brown e Denney (1997, s/p apud FINCK, 2009)  a música beneficia as crianças em várias áreas de sua vida e a experiência que esta traz são significativas e fazem parte da sua identidade cultural. Sendo assim, a criança, sem se expor à música, à sua história e seus compositores perderão uma parte valiosa e importante da instrução cultural. Para as autoras citadas os sentidos remanescentes podem ser utilizados pelos indivíduos surdos para entender e apreciar a música. Um surdo, por exemplo, pode apreciar a música através da estimulação tátil e visual e esta também pode ser utilizada como uma ferramenta relaxante para crianças que estão tensas ou com hiperatividade.

            Se temos como objetivo proporcionar a independência a uma criança com deficiência precisamos oferecer-lhe oportunidades de educação onde possa se aproveitar ao máximo suas potencialidades, entretanto, enquanto nenhum sentido pode tomar lugar daquele em que há deficiência, todos eles juntos podem enviar uma grande carga de informações variadas, contribuindo assim para o conhecimento adequado e racional do seu próprio meio ambiente. Cada criança tem sua forma e caminho para aprender e cada uma tem um nível de aprendizagem de acordo com sua capacidade mental, tendências, interesses e necessidades (FINCK, 2009, p. 52).

CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO MUSICAL E A SURDEZ: PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

3.1 – NÍVEIS DE SURDEZ  – COMO O SOM É RECONHECIDO PELO SURDO

            De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS (2013), a surdez é um termo que referencia pessoas com perda auditiva parcial ou total.

            Quando nos referimos aos termos “som” e “surdo”, normalmente estes são julgados como opostos, sendo assim, ainda nos dias atuais, percebemos que boa parte das pessoas não acreditam que os surdos conseguem desenvolver ou aprender a música pelo fato de não ouvirem; outros, tratam os surdos como deficientes porque possuem uma limitação auditiva e não os vêm como seres que possuem uma minoria linguística e cultural que possui necessidade como qualquer ser humano em todas as áreas de sua vida (PEREIRA, 2012, p. 1).

            A música está diretamente associada ao som e este é reproduzido através da transmissão de vibrações sonoras. O ouvinte – do verbo ouvir: entender (os sons) pelo sentido da audição, escutar (FERREIRA, 2001, p. 539), o sujeito que ouve –  normalmente, reconhece a música focando sua atenção apenas ao som e não à vibração, o que difere dos surdos que reconhecem a música somente através das vibrações pelo fato de não ouvirem.

            Antes de detalharmos o processo de aprendizagem da música no ensino ao aluno surdo precisamos esclarecer que, quando entramos no assunto da surdez, temos uma tendência a tratar esse grupo de forma homogênea; porém, esta comunidade tem suas singularidades e diferenças. Existem surdos com perdas auditivas leves que ouvem música, cantam e tocam instrumentos musicais, enquanto outros, com perdas mais profundas utilizam de suas partes visuais, táteis e perceptomotoras para interagir com o universo musical (ANSAY et al, 2013, p. 3).

            Segundo Pereira (2012, p. 1), de acordo com os estímulos que recebem podem sim perceber as vibrações sonoras, desde os que ouvem apenas alguns ruídos até os que apresentam surdez profunda. Existem vários tipos de surdez que são essencialmente determinados pelo local da lesão; ao nível do ouvido humano destacam-se, aqui, os três principais tipos e sua influência na percepção musical:

            1) Surdez de transmissão ou condução: quando a lesão é no ouvido externo (orelha ou pavilhão e canal auditivo externo) ou no ouvido médio (tímpano e ossículos).

            2) Surdez neuro sensorial ou de percepção: quando a lesão é no ouvido ou nas vias e centros nervosos. Tem consequências muito graves, pois podem afetar a capacidade de descodificação do som.

            3) Surdez mista: quando a lesão é no ouvido médio e interno, e afeta os componentes de transmissão e percepção.

            Segundo Lehnhardt e Lehnhardt (2007 apud FINCK, 2009, p. 37), dependendo do nível médio de decibéis percebido (frequência entre 500 a 2000 hertz), os alunos com perda leve e moderada (25 a 55 dB) podem razoavelmente perceber uma conversação face a face com menos dificuldade, porém, podem ter uma incapacidade de compreensão se muitos estiverem falando ao mesmo tempo. Já aqueles com perda acentuada (56 a 70 dB) e com perda severa (61 a 90 dB) poderão ouvir uma conversação, caso o som esteja muito intenso. Mesmo que estes indivíduos tenham habilidades linguísticas, a atenção visual e a língua de sinais vão ser necessárias e, além disso, precisam do aparelho de amplificação sonora para uma melhor comunicação. Ainda, para pessoas com perda profunda (91 dB ou mais), a língua de sinais deve ser utilizada como comunicação principal, mesmo que estas tenham condições de ouvir algum som com o uso do dispositivo de audição.

            Quando tratamos de aprendizagem do aluno surdo temos o receio de que não possam aprender por causa da “deficiência”. Para Vygotski (1997, p. 76, apud FINCK, 2009, p. 43) na perda de um sentido (visão ou audição, por exemplo) outros órgãos ou membros poderiam suprir esta deficiência e começariam a cumprir outras funções que comumente não executariam em uma pessoa normal. Olhando para o lado psicológico e pedagógico, a aprendizagem do surdo pode ser comparada a qualquer outro indivíduo: “a educação do cego e do surdo não se distingue, essencialmente, em nada da educação de uma criança normal”. Aos olhos do autor, a compensação biológica das deficiências corporais do cego e do surdo não deve ser considerada como um fator que impeça sua aprendizagem, pois se aponta com ênfase no déficit sensorial e não no déficit cognitivo.

            Para Vygotski,

O mais importante instrumento cultural é a fala e, portanto, o destino de todo desenvolvimento cultural da criança depende de ela conseguir ou não dominar a palavra como principal instrumento psicológico (Vygotski, 1929, apud VAN DER VEER, VALSINER, 2001, p. 84).

            É fundamental a aquisição e o desenvolvimento da linguagem para o benefício da construção de processos cognitivos e relações sociais. O sujeito ouvinte tem, desde muito cedo, como parte de sua vida a linguagem adquirida nas relações sociais e interações, em sua modalidade oral; para adquiri-la, é preciso o contato e comunicação com a sociedade que já faz o uso dela, porém, para os surdos, esse contato não se dá de modo natural, pois a língua oral é percebida por meio do canal auditivo, sendo, assim, inacessível à criança surda. A linguagem é responsável pela regulação da atividade psíquica humana, pois cabe a ela permear a estruturação dos processos cognitivos, assumindo o papel de constitutiva do sujeito, possibilitando interações fundamentais para a construção do conhecimento (VYGOTSKI, 2001, apud FINCK, 2009, p. 43).

            Os indivíduos surdos também frequentam baladas e se divertem como os ouvintes. Na pista de dança, os surdos conseguem sentir o deslocamento de ar causado pelo som, por exemplo, das frequências graves que fazem vibrar o chão[7].

            Em uma entrevista concedida à Shirley Salomon (2003), a percussionista surda, Evelyn Glennie afirma que os surdos não deixam de escutar os sons quando perdem a capacidade de ouvir. Para Glennie, a maioria das pessoas tem pouca informação sobre o processo de escutar e, consequentemente, sobre a própria surdez. Ao citar o termo “surdez profunda”, Glennie justifica que o ouvinte se utiliza de três sentidos para escutar: visão, toque e audição. O verbo escutar, em seu sentido próprio, engloba três ações: ouvir, sentir e ver. Já o verbo ouvir envolve apenas a ação específica do aparelho auditivo. Sendo assim, para que o surdo profundo possa escutar, ele teria que ouvir os sons e sentir as vibrações. Ainda temos um outro elemento na equação do escutar: a visão. Através da visão, vê-se o movimento dos objetos, bem como sua vibração, como por exemplo, ao ver a pele do tambor vibrar e as folhas das árvores se moverem o cérebro cria um som correspondente ao que está vendo. Para a autora, o escutar está associado aos outros sentidos, que teriam a função a mais de processar os vários ‘bits’ das informações geradas pela emissão de um sinal elétrico para, só então, criar uma imagem do som. Glennie afirma que os vários processos envolvidos em escutar um som são complexos e realizados subconscientemente.

            Ainda nas palavras de Glennie (FINCK, 2009, p. 61),

[…] ouvir é basicamente uma forma especializada de toque. O som é, simplesmente, o ar vibrando que o ouvido colhe e converte em sinais elétricos e que, então, são interpretados pelo cérebro. A sensação do ouvir não é o único sentido que pode fazer isto, o toque pode fazer isto demasiado. Se você estiver em uma estrada e um caminhão grande passar por perto, você ouve ou sente a vibração? A resposta é ambos. Com a vibração de frequências muito graves o ouvido começa a se transformar ineficiente e o resto do sentido de toque do corpo começa a dominar. Por alguma razão nós tendemos a fazer uma distinção entre o ouvir um som e o sentir uma vibração, que na realidade são a mesma coisa. É interessante notar que na língua italiana esta distinção não existe. O verbo “sentire” significa ouvir e o mesmo verbo na forma reflexiva “sentirsi” significa sentir. A surdez não significa que você não pode ouvir, apenas que há algo errado com o ouvido. Mesmo alguém que é totalmente surdo pode ainda ouvir/sentir sons. (GLENNIE, 2008, apudFINCK, 2009, p. 61).

            Segundo Silva (2007, p. 19) ainda não se sabe, com efeito, a importância para o surdo em saber distinguir acordes dissonantes de consonantes, porém, se sentimos sensações diferentes quando ouvimos estes acordes, talvez seja possível que o surdo também possa sentir estas sensações através das vibrações; entretanto, é necessária a apuração dos resultados dos estudos citados por Silva (2007, p. 19).

3.2 – ATIVIDADES MUSICAIS PARA SURDOS

            O trabalho de musicalização com as crianças surdas objetiva sempre uma atividade que, para elas, seja uma experiência musical significativa; desta forma, ao elaborar uma atividade musical, o professor de música deve estar atento a grande importância de seu papel. Os métodos de ensino devem ser modificados de modo a se adaptarem ao aluno surdo para que este possa tocar com técnica, ou seja, chegar o mais próximo possível de uma execução correta (FINCK, 2009, p. 65).

            Segundo Edwards (1974, s/p apud FINCK, 2009, p. 65) para utilizar partituras em atividades musicais, estas devem ser adaptadas com sugestões visuais e estimulação tátil. Para a autora, ao ensinar a música instrumental a um aluno surdo chega-se à conclusão que todas as exigências necessárias para aprender um instrumento são similares, tanto para surdos como para ouvintes – “para todo os alunos é necessário um ensino bom, uma prática consistente e uma sustentação positiva” (EDWARDS, 1974, p. 121 apud FINCK, 2009, p. 65).

            Para Salmon (2003, s/p apud FINCK, 2009, p. 66) os métodos que são utilizados no início do ‘aprender fazendo’, enfatizando na experiência sensório extensiva, são cruciais para o desenvolvimento do sentimento neuromuscular das crianças surdas para a música. Com os resultados da exposição às experiências concretas com música por meio do ‘aprender fazendo’, as crianças podem desenvolver sentimentos e também criar imagens mentais dos conceitos da música, gerando a compreensão destes mesmos conceitos.

Quando se relata o ensino da música, sabe-se que o indivíduo surdo tem uma posição desvantajosa em relação ao ouvinte. Segundo a revisão da literatura, para que o indivíduo surdo consiga construir seus próprios conceitos da música e também compreendê-los é preciso ensinar a música ao surdo utilizando todo seu corpo através de movimentos. Sendo assim, estimulando os movimentos, toda criança, inclusive as surdas, podem, desta maneira, perceber as vibrações musicais, o ritmo e a dinâmica musical (FINCK, 2009, p. 66).

            Para Salmon (2003, s/p apud FINCK, 2009, p. 66) quando se usa a música e o movimento em conjunto, a criança é motivada a controlar o seu próprio corpo podendo assim constituir um meio particular que ajuda a promover a expressão musical da criança surda. Ainda Salmon (2003, s/p apud FINCK, 2009, p. 66), nos mostra que unir a música e o jogo, de modo lúdico, seja uma possível maneira de reunir música e alma. Desta forma ao relacionar-se com o colega e utilizar o jogo, aprende-se a lidar com regras de vivência e jogos. Segundo a autora, trabalhar em conjunto o jogo, a música e o movimento é um processo de ensino da educação musical para crianças que vem sendo utilizado há muitos anos, principalmente pela resposta corporal natural à música. Estas respostas podem ser evidenciadas nas ações corporais das crianças como pular, andar, saltar, dentre outras. A autora ainda aponta a existência de músicas que, por sua natureza, buscam outras formas de movimentos, podendo acenar como árvores ao vento, flutuar como nuvens, ou ainda executar outros movimentos que são percebidos através de sua execução, o que complementa a ideia de percepção visual-auditiva citada por Evelyn Glennie, no item 3.1 deste trabalho. Olhando por este lado, a liberdade de movimentos e a liberdade pessoal devem ser incentivadas em todos os níveis da educação, pois é através dela que as crianças conseguem responder fisicamente os movimentos sem ficarem inibidas.

            Benari (2003, s/p apud FINCK, 2009, p. 66), quando cita a questão do movimento e da dança para a criança surda, sugere uma introdução aos conceitos musicais. Destaca-se em sua obra “Ritmo Interno” a importância da expressão corporal para o surdo e a íntima relação da dança com a música, não encontrando nenhuma justificativa para não oportunizar dança e música ao surdo. Benari (2003, s/p apud FINCK, 2009, p. 66) questiona o porquê de não se utilizar da dança para ensinar pois muitos gostam de dançar, de mover-se, e porque razão os surdos devem ser proibidos deste ato? Porque não dar também a oportunidade às crianças surdas de desfrutarem de todos os benefícios mentais, físicos, emocionais e estéticos que a dança já proporciona às crianças ouvintes?

3.2.1 – A inserção do surdo em formação de banda ou orquestra

            Há estudos entre as décadas de 80 e 90 (DARROW, SCHUNK, 1996, DARROW, GFELLER, 1991, ATTEBURRY, 1990, ZINAR, 1987) que mostram, como objetivo principal, propor práticas mais concretas para o ensino da música para estudantes surdos. É encontrado, nesta literatura, detalhes sobre métodos de inserção do surdo em grupos musicais instrumentais, como é o caso de bandas e orquestras, porém, para seguirmos estas práticas de forma estruturada devemos primeiro pensar no ensino dos instrumentos musicais.

            O primeiro passo para iniciar o contato de estudantes surdos com os instrumentos musicais é criar um ambiente físico que permita que estes indivíduos sejam bem-sucedidos em sua aprendizagem. Os alunos devem ser instruídos a sempre informar ao professor quando não compreenderem alguma explicação ou tarefa. Porém, é importante prevenir estas situações garantindo a supervisão e a capacitação dos professores para práticas que levem em conta as necessidades especiais deste grupo (HASH, 2003, s/p).

            Darrow e Schunk (1996, p. 200-223 apud HASH, 2003, s/p) afirmam que sons estranhos, tanto dentro como fora da sala de aula, devem ser eliminados para que os indivíduos surdos possam tirar melhor proveito da audição residual[8], pois estes sons podem causar distrações que prejudicam a eficácia no entendimento do que o professor está explicando. Os sons aos quais Hash se refere são conversas e movimentos desnecessários, sons emitidos a partir de luzes de neon, aquecedores e condicionadores de ar; para amenizar estes ruídos e promover um ambiente silencioso podem ser instalados carpetes, cortinas e estofados. Além disso, para não interferir na interpretação da leitura labial, da língua de sinais e de outros gestos não verbais, a iluminação deve ser planejada de modo que o educador não deva estar em frente a uma janela ou outra fonte de iluminação pois, por exemplo, o fundo brilhante e a sombra criada no rosto do professor dificultarão muito a comunicação visual.

            Além dessas considerações, Zinar (1987, apud HASH, 2003, s/p) também versa sobre a colocação de um surdo em uma banda ou orquestra e sobre a importância de alunos ouvintes como auxiliares de instrumentistas que ficam mais ao fundo da formação orquestral.

            Outros detalhamentos abordados por Darrow e Schunk (1996, p. 200-223, apud HASH, 2003, s/p) são sobre como as formações instrumentais pequenas são preferenciais para o grupo, pois os surdos podem olhar diretamente uns para os outros quando posicionados de forma circular, e Zinar (1987, s/p apud HASH, 2003, s/p) acrescenta que deve ser feito um acompanhamento com especialista clínico junto aos alunos que usam aparelho de amplificação sonora, pois sons muito altos executados pelo grupo podem danificar o ouvido interno do estudante.

            As práticas de ensino também devem ser modificadas quando estamos trabalhando com músicos surdos; Hash (2003) nos traz um resumo destas práticas:

  • O professor, quando está falando, deve sempre estar de frente com os estudantes surdos(S) e com dificuldades de audição(DA), ficar parado em um só lugar, e falar lentamente usando uma voz grave. O uso de um retroprojetor ao invés da lousa permitirá ao instrutor dar instruções escritas sem ficar de costas para a sala. Quando for se dirigir a uma criança S/DA, o professor deve ter a sua atenção primeiro, e manter um bom contato visual durante toda a troca de informações” (DARROW, SCHUNK, 1996, p. 200-223, apud HASH, 2003, s/p tradução nossa).

3.2.2 – Escolha do instrumento musical adotado pelo surdo

            O instrumento musical escolhido pelos estudantes surdos é altamente relevante para que seu aprendizado seja bem-sucedido, segundo Hash (2003, s/p). A importância desta escolha está em algumas características intrínsecas ao instrumento, como quantidade e intensidade de vibração produzida, proximidade do ouvido, contato físico com o corpo, temperamento.

            Para os instrumentos de corda, são preferidos os dedilhados como, por exemplo, a harpa, pelo fato de as cordas estarem próximas ao ouvido, ou o violão que possui uma caixa de ressonância que fica diretamente em contato com o corpo do executante e assim suas vibrações podem ser diretamente sentidas. Outro instrumento apropriado aos surdos é o contrabaixo elétrico, devido à potente vibração gerada. Já instrumentos como o violoncelo, a viola e o violino podem ser mais difíceis de serem executados pois, além de não serem instrumentos temperados (dificultando a localização visual das notas), também trabalham em regiões mais agudas, e as vibrações nesta região são mais difíceis de serem sentidas pelo corpo (ZINAR, 1987, apud HASH, 2003, s/p).

            Há algumas possibilidades do surdo aprender instrumentos musicais de sopro, da família das madeiras. Segundo Edwards, Zinar e Robbins et al(1974, 1987, 1980, apud HASH, 2003, s/p), deficientes auditivos têm conseguido aprender clarinete e saxofone, e suas versões mais graves, como o clarinete baixo e o sax-tenor, que facilitam mais ainda seu aprendizado.

            Os instrumentos de sopro da família dos metais podem apresentar maiores dificuldades no modo como as oitavas são entonadas, o que torna muito mais difícil a execução por parte do surdo, pois é necessário reconhecimento da altura da nota tocada. No entanto, os que possuem surdez leve ou moderada ainda podem aprender com auxílio de algumas técnicas, por exemplo, para trompetistas, soprar enquanto colocam a mão no lado externo da campana do trompete pode ajudá-los a distinguir as notas de acordo com a vibração gerada no mesmo, técnica esta que pode ser usada também na tuba, onde os braços do instrumentista também estão em contato com o instrumento, aumentando a área de contato. Instrumentos como o trombone de vara e a trompa devem ser evitados, pois necessitam de uma enorme precisão no reconhecimento das notas (EDWARDS, 1974, ATTERBURY, 1990, ROBINS et al, 1980 apud HASH, 2003, s/p).

            Por fim, praticamente todos instrumentos de percussão podem ter suas vibrações percebidas pelos surdos; de maneira mais fácil, os instrumentos grandes, que geralmente produzem sons mais graves, podem ser percebidos mesmo sem um contato físico por parte do instrumentista, enquanto os instrumentos de menor porte necessitam, obrigatoriamente, desse contato (JAHNS, 2001, ZINAR, 1987, apud HASH, 2003, s/p).

            Finalizamos com alguns exemplos de instrumentistas surdos no mundo atual dentro dos naipes citados acima a começar por Evelyn Glennie que foi a primeira pessoa a ser bem-sucedida como percussionista solo e é, possivelmente, a musicista surda mais conhecida no mundo nos dias atuais[9]. Um músico que ganhou destaque após sua aparição na rede de televisão inglesa BBC foi o trompetista Sean Chandler que participou de um projeto de outro músico que pretendia levar uma banda de drum’n bass para dentro do palácio de Buckinghan[10].

            No naipe de madeiras, a flautista Ruth Montgomery teve a oportunidade de tocar como solista com algumas das melhores orquestras do mundo dentre elas a Orquestra Filarmônica Real Britânica, já fez participação em conjunto com Evelyn Glennie[11].

            Por fim, citamos o grupo formado por surdos, intitulado Beethoven’s Nightmare,que é um exemplo atual de (e foi a primeira) banda de rock formada apenas por surdos (1971), neste grupo Ed Chevy (baixo elétrico) e Steve Longo (guitarra) lidam com os instrumentos de cordas no palco. A banda se difere de uma banda de rock formada por ouvintes no fato de que usam a linguagem de sinais durante as apresentações[12].

3.2.3 – Música vocal

            Darrow e Starmer (1986, p. 194-201) confirmam os benefícios do treino da música vocal em crianças surdas através de um estudo que analisou a fala destas antes e depois de oito semanas de aulas de música vocal. Os resultados demonstraram mudanças significativas na frequência fundamental e na tessitura vocal. Em outro trabalho, Darrow (1985, p. 33-35) nos diz que a perda da audição não elimina a resposta aos estímulos musicais em crianças que ficam surdas, descrevendo a adaptação às atividades musicais nesta nova condição. Afirma que a instrução musical pode ser uma ferramenta para ajudar a desenvolver algumas habilidades como: bons hábitos de audição (aos que não a perdem totalmente), memória sequencial e ritmo da fala, entre outros.

            Atkins e Donovan (1984) acompanharam o trabalho na Keshequa Elementary School de Nova Iorque onde há um programa que combina técnicas da educação musical e da educação para surdos e confirma neste trabalho que surdos puderam apreciar a música que permeia a sociedade e que na maioria das vezes estas experiências fazem com que o surdo se sinta parte do mundo dos ouvintes.

3.2.4 – O aprendizado do ritmo e percussão corporal pelo surdo

            Esta parte da monografia baseia-se no artigo “Atividade Musical com surdos: Percussão Corporal” (PEREIRA, 2012). A ideia da autora é apontar sugestões para o estudo da música com pessoas surdas com o propósito de ampliar seus conhecimentos baseando-se no ritmo, que é um dos elementos da música, e explorando seu próprio corpo como o mais íntimo instrumento musical.

            Quando pensamos em musicalizar um surdo nos baseamos nas atividades que já utilizamos com os ouvintes. Tais atividades seriam o trabalho com o ritmo, pulsação, expressões corporais, etc. Neste caso, podemos utilizar as mesmas atividades tanto para os surdos quanto para os ouvintes, pois ambos podem utilizar o corpo como instrumento.

            Neste texto, Pereira (2012, p. 2) também afirma que o ensino da música para o surdo, embora ainda pouco explorado em nosso país, vem atraindo professores e pesquisadores a buscarem os melhores meios de ensinar a música ao deficiente auditivo.

            Um trabalho muito utilizado no ensino-aprendizagem é a percussão corporal e, sendo esta alicerçada no ritmo, que é um elemento da música, pode ser desenvolvida através de movimentos e criação de sons retirados do próprio corpo. Toda experiência musical que é adquirida através destas atividades percussivas podem trazer para o surdo motivação, criatividade, capacidade de concentração, socialização, raciocínio lógico e aumento da autoestima.

As técnicas segregativas que vêm caracterizando os atendimentos às pessoas surdas não podem permanecer com sua face estigmatizadora, pois é inaceitável que após tantas mudanças ocorridas na concessão de direitos de cidadania, ainda se pratique a exclusão desses indivíduos (SOUZA, 2002, s/p apud PEREIRA, 2012, p. 2).

Podemos afirmar ainda, segundo Pereira (2012, p. 2), que a música está presente em nossa vida, em nossos passos, pulsações, palmas, por exemplo, e que, por meio dela, podemos expressar diversos sentimentos. A Música nos faz lembrar de momentos passados, expressa emoções e tem capacidade de mudar o nosso humor, entre outras. Cada música tem seu significado para um indivíduo e pode fazê-lo manifestar diferentes reações dependendo da música ouvida.

            Como já citado anteriormente, um dos métodos para ajudar na formação musical do surdo é o exercício de percussão corporal. Neste exercício, o instrumento é o próprio corpo e, através dele, o indivíduo pode criar música com palmas, estalos de dedos, pisadas, batidas no peito e na boca, descobrindo resultados musicais variados e interessantes, proporcionando ao surdo uma igualdade de oportunidade no acesso à educação musical mediante ao aluno ouvinte.

Segundo Pereira (2012, p. 3), o surdo pode, mesmo sem escutar, utilizando sua inteligência e força de vontade, mostrar sua musicalidade. Antes de se iniciar as atividades de expressão corporal é importante e necessário preparar o corpo para tal separando alguns minutos para alongamento, relaxamento, exercício de respiração e concentração.

            Uma forma de ensino muito interessante para os surdos aponta-se para a utilização da luz de um metrônomo ou a rotação de segundos do ponteiro de um relógio; estes guiarão o aluno surdo e cada componente citado acima sinalizará um som (palmas, estalos, pisadas, etc.) e a combinação destes sons finaliza em uma sequência organizada de movimentos inteligíveis para os surdos.

            Os ouvintes devem dar importância e acreditar na capacidade musical dos surdos. É observado que, quando começamos o ensino musical com atividades rítmicas, eles já despertam reações de contentamento e prazer, sentimentos esses, que indicam o interesse do surdo pela música.

            Sabemos que é totalmente possível, porém desfiador, que a pessoa com deficiência auditiva mantenha a pulsação em movimentos que emitem sons, mesmo levando em conta suas características biológicas. No trabalho com atividade rítmica para o aluno surdo, também deve-se desenvolver algumas noções de leitura rítmica musical, pois a leitura e compreensão das figuras colaboram para maior desenvolvimento na execução da musicalidade.

            Apontando os diferentes graus de surdez, de gosto musical e interesse deve-se respeitar suas diferenças, buscando sempre criar atividades com grupos que exprima interesses e certas curiosidades para esta expressão musical de modo que dê significância a esta experiência tornando-a empolgante e jamais uma experiência mecânica e dificultosa.

3.3 – METODOLOGIAS DE DALCROZE, ORFF, KODÁLY E SUZUKI ADAPTADAS PARA SURDOS

3.3.1 – Método Dalcroze

            O método criado pelo suíço Émile Jaques-Dalcroze se destaca por apresentar a importância do movimento corporal no ensino da música, uma abordagem que vai de encontro com uma das maneiras pelo qual o surdo pode sentir a música: o movimento (FINCK, 2009, p. 66).

            A abordagem cinestésica de Dalcroze, conhecida como “eurritmia”, trata o corpo como um instrumento encorajando os alunos a descobrirem e a entrarem em contato com a música internamente, com o objetivo de construir o entusiasmo e a motivação para a música de uma forma mais completa (MANIFOLD, 2008, p. 30).

            Este método poderia ser utilizado facilmente com os surdos, visto que o movimento, além de cinestésico, também é visual, através da observação dos movimentos de outra pessoa, conforme mencionado anteriormente no capítulo 3, item 3.2.

            A experiência se torna intrínseca a partir do momento em que Dalcroze diz que os estudantes “devem se expressar através do improviso e este improviso pode ser através da fala, de gestos ou mesmo através de pinturas” (MEAD, 1996, p. 38 apud MANIFOLD, 2008, p. 30).

            A eurritmia, ao contrário do que alguns pensam, não é uma forma de dança, até mesmo porque não há necessariamente uma coordenação entre os alunos da sala ou os comandos de um professor, mas sim um improviso livre onde os alunos mostram com seu corpo o que está ouvindo (GOULART, 2000, p. 6). No caso dos surdos, este “ouvir” pode vir das vibrações que sentem ou da própria imaginação ao observarem outros alunos interpretando as músicas, fazendo com que eles se forcem a reinterpretar estes movimentos, assim, atingindo os objetivos propostos por Dalcroze.

            Outro fato de relevante importância nesse método é a preferência, não só pela improvisação dos movimentos, mas também pelo improviso das músicas; isto faz com que os gestos resultantes não fiquem automatizados e, justamente por não serem automáticos, requisitam maior atenção do estudante aumentando a interação dele com a atividade (FINCK, 2009, p. 67).

3.3.2 – Método Orff

            O trabalho do compositor alemão Carl Orff se baseia no instinto lúdico da criança voltado ao aprendizado musical, sendo, neste trabalho, de suma importância que a execução venha antes da leitura e escrita, assim como aplicamos a fala antes de escrevermos as palavras. Esta abordagem por si só beneficia o surdo de maneira equitativa ao ouvinte uma vez que a criança, surda ou não, regozija-se com esse tipo de atividade e recebe a relação entre execução e posterior escrita e leitura do que foi executado também da mesma forma (GOULART, 2000, p. 10).

            O método desenvolvido por Carl Orff também se apoia no uso da percussão (GOULART, 2000, p. 11) e, como vimos no capítulo 3.2.2 desta monografia, este é o naipe de instrumentos que proporcionam mais facilidade de execução por parte do surdo, além da presença do ostinato que reforçam o caráter rítmico da execução.

            A percussão neste método não se restringe aos instrumentos sem altura determinada. Quando incluímos o xilofone e o metalofone, permite-se o trabalho da melodia de maneira facilitada pois, nestes instrumentos, podem-se retirar qualquer uma das placas que emite o som das notas no início da aprendizagem, podendo incluir posteriormente, nota a nota, conforme o avanço do aluno (GOULART, 2000, p. 11). Para o surdo que se baseia na vibração isto é muito benéfico, pois esta fragmentação pode levá-lo a um entendimento individual de cada altura, respeitando a peculiaridade de cada sujeito quanto às distâncias intervalares reconhecidas.

            Para o surdo que utiliza o aspecto visual como principal meio de aprendizado, um menor número de placas disponíveis pode facilitar o trabalho de sincronização com os demais estudantes. A escolha de qual placa a ser golpeada deve ser uma escolha do aluno, uma vez que o professor pode selecionar as placas que façam parte da harmonia que se pretende improvisar e deixar apenas estas disponíveis e, como dito anteriormente, a escrita da sequência escolhida pelo aluno, deve ser feita posteriormente, de acordo com o desejo do aluno em registrar em papel sua composição.

            Orff também dá créditos à exploração da percussão corporal (FINCK, 2009, p. 68), abordagem da qual foi falada no capítulo 3.2.4 desta monografia.

3.3.3 – Método Kodály

            O húngaro Zoltan Kodály sempre acreditou na música para todos como um objetivo de vida; ela é uma arte essencial ao ser humano e em sua visão, não se trata apenas de entretenimento, é algo que possui a mesma importância da língua falada, e, do mesmo modo, é necessário ser levada ao conhecimento e entendimento de todos (GOULART, 2000, p. 8).

            Sua linguagem musical foi direcionada ao grande público: era composta basicamente dentro do tonalismo, sem pretensões melódicas e harmônicas complexas ou vanguardistas e não utilizava das modernidades da eletrônica. Ele foi um nacionalista que acreditava que o contato com a música, assim como a língua falada, devia ser maternal desde seu início, e ele considerava a música folclórica como representante desta “música materna” (GOULART, 2000, p. 8). Quanto a esta característica, a criança surda se assemelha à ouvinte, exceto na forma como essa música folclórica lhes é apresentada.

            Mais especificamente dentro do modo como Kodály trabalhava, temos a Manossolfa (GOULART, 2000, p. 10), método pelo qual o surdo pode se beneficiar no estudo da melodia. Neste método, os nomes das notas são representadas por gestos manuais do mesmo modo como os gestos utilizad1os na LIBRAS. Estes gestos podem auxiliar muito no entendimento teórico da música para os surdos podendo servir, por exemplo, como ponte que parte do aprendizado com o método de Orff (mais prático) para introduzi-los na teoria musical, uma vez que com este método o surdo poderá representar a música que está produzindo através de uma linguagem muito familiar a ele.

3.3.4 – Método Suzuki

            Shinichi Suzuki foi um músico, pedagogo e filósofo japonês que levantou uma observação muito semelhante à de Kodály quando afirma que “toda criança japonesa fala japonês”, querendo mostrar que o método no qual se aprende a língua materna é o mais bem-sucedido exemplo de aprendizado eficiente, e foi o que ele tentou copiar para o ensino da música em seu método (GOULART, 2000, p. 12).

            Novamente, temos semelhanças no modo como o método pode ser aproveitado, tanto por ouvintes quanto por surdos, pois Suzuki enfatiza, dentre outras coisas, as emoções e a convivência com a música, a repetição e a imitação, o respeito no ritmo de aprendizagem de cada um e o aprendizado da música objetivando seu uso no dia a dia (GOULART, 2000, p. 13). Essa convivência é passada para o aluno principalmente através do contato visual (o que já se provou eficaz com os surdos nos outros métodos citados nesta monografia), mas há também grande importância no contato auditivo (que poderia ser adaptado a um contato com as vibrações recorrentes da execução musical quando se tratar de aluno surdo).

            Os demais detalhes sobre o método de Suzuki se referem ao repertório barroco e clássico, que poderá ser adaptado ao folclore local; a presença dos pais na aula e o incentivo e exemplo que eles devem dar ao aluno dentro de casa; e por fim, à musicalidade na execução das peças iniciais, evitando-se a repetição fria e inexpressiva (GOULART, 2000, p. 13). Todas estas características podem ser aplicadas aos alunos ouvintes e surdos de maneira semelhante.

3.3.5 – Contextualização desses métodos no ensino musical para surdos

            Podemos observar que as abordagens desses conceituados educadores sempre permitiu, dependendo de poucas adaptações, a participação do surdo no contexto musical.   Dalcroze viu o corpo do estudante como um instrumento musical dotado de todas as características necessárias à expressividade trabalhando, sobretudo, a cinestesia envolvida em suas atividades.

            Orff, com suas atividades lúdicas em instrumentos de percussão, também prepara o terreno para o aprendizado da melodia e da harmonia quando resolve destacar determinadas teclas de um xilofone ou de um metalofone.

            Kodály pareceu ter pensado ou mesmo se inspirado nos surdos quando desenvolveu o manossolfa, e este método é facilitador para o surdo uma vez que é muito semelhante à sua língua natural, a linguagem de sinais.

Suzuki apostou na imersão do estudante em um mundo musical a fim de que este veja a música em sua vida de maneira tão intensa quanto vê sua língua materna, uma vez que esta convivência frequente se mostra essencial na aprendizagem da língua materna.

            Pode-se afirmar, de acordo com estes métodos, que o melhor modo de se trabalhar com o aluno surdo, quando se procura embasamento em métodos já utilizados e respeitados no mundo todo, é se utilizar das práticas mais adequadas de cada um deles para estes alunos, buscando uma avaliação individual sobre qual método é mais eficaz para cada caso.

CAPÍTULO 4 – COMO TORNAR AS TIVIDADADES MUSICAIS ACESSÍVEIS AOS SURDOS

”Todas as crianças e jovens tem direito a uma educação musical excelente e é vital que profissionais entendam como construir as lições e atividades da maneira mais acessível possível”.

“Música expressa o que não pode ser dito, mas não pode permanecer em silêncio”. (Victor Hugo, autor Francês)

             Atualmente no Reino Unido e em todo o mundo existem muitas pessoas com níveis variados de perda auditiva, de surdez profunda a leve, assim como de crianças com nasceram surdas a pessoas que perderam a audição em um estágio diferente da vida. Muitos se comunicam usando linguagem de sinais enquanto outros lêem lábios. Outros já  usam aparelhos auditivos enquanto alguns podem usar implantes cocleares. Muitas pessoas surdas tocam instrumentos musicais e participam de atividades musicais diariamente. É equivocado pensar que eles não podem participar e apreciar atividades de música. Assim como com jovens auditivos, participar de atividades musicais pode apresentar muitos benefícios para crianças e jovens surdos. Da mesma forma que as vibrações, o aspecto visual e a performance, música pode ajudar as crianças a aumentar sua confiança, encorajar o aprendizado das emoções e ajudar a desenvolver melhores habilidades motoras.

          Da mesma forma que seus colegas auditivos, as crianças e jovens surdos podem ser influenciados a gostar de música por seu ambiente familiar ou podem estar interessados em participar ao observar seus colegas. A experiência musical de cada criança é única e depende do seu tipo e nível de surdez, da tecnologia utilizada, e de qualquer exposição anterior a música.

          È importante ressaltar que uma criança ou jovem que perdeu sua audição pode ter memórias musicais e por tanto uma experiência muito diferente do que a de uma criança que nasceu surda. As crianças surdas podem usar muito do que resta de sua audição com o auxílio de aparelhos auditivos, ou elas podem ter implantes cocleares. Outros podem ser surdos em apenas um ouvido. Isso significa que o aproveitamento da música em vários casos não é apenas a vibração e o aspecto visual, mas também ouvir a música.

“É óbvio que nem todas as pessoas com problemas de audição serão musicais no sentido mais completo da palavra. Mas, também, nem todas as pessoas auditivas o serão. É necessária a oportunidade de experimentar e descobrir quais habilidades musicais estão dormentes em cada um de nós.” (William G. Fawkes, professor de música para surdos 1975 – 1988).

4.1 – Dicas positivas e negativas para ensinar a música para surdos.

Inicie sempre perguntando ao aluno como você deve se comunicar com ele; Use seus braços e expressões faciais para ser o mais visual possível; O ideal é que você ensine em salas que não tem nenhum ruído de fundo; Sempre estabeleça o ritmo e dê instruções antes de tocar a música; Faça suas aulas em grupos pequenos; Conscientize Tenha que aparelhos auditivos e implantes cocleares diferentes variam na maneira de processar diferentes frequências; Deixe o aluno decidir que instrumento ele gostaria de aprender;

 Jamais execute suas aulas em uma sala que tenha eco; De maneira alguma se mova enquanto fala ou faz alguma demonstração; Não fale enquanto apresenta uma música; Não demonstre frustração se a criança ou jovem surdo repete o mesmo erro várias vezes; Nunca desista se alguém está preso em algum erro, tente explicar de maneiras diferentes, escreva ou use desenhos.

4.2 – Melhor idade para introduzir a criança surda no ambiente musical e o trabalho em grupo

          Da mesma forma que se introduz uma como com criança auditiva ao aprendizado musical, é sempre bom introduzir uma criança surda à música o mais cedo possível. Ter a chance de apreciar música nos anos iniciais pode ajudar nas habilidades de comunicação de uma criança e na habilidade de se relacionar com outras pessoas. É valido lembrar que nem todas as crianças, sejam elas surdas ou não, estarão interessadas em aprender música, porém uma criança tem mais chances de tentar aprender música se ela foi exposta a isso em casa.

          Assim como com crianças auditivas, você pode usar música em pequenos grupos de pouca idade para ensinar as crianças a trabalhar em grupo e esperar pelas respostas dos outros. Fazendo desta forma você ajuda a criança a esperar sua vez de tocar um instrumento ou usar outros sons como deixa para tocar alguma coisa. O ideal é que o professor utilize variedades de sons ao longo de várias aulas e veja como as crianças reagem. Algumas crianças surdas são sensíveis a certos tons ou timbres, por exemplo, madeira ou metal, sendo assim algumas vibrações podem ser muito fortes no começo então experimente com cautela. Note sempre que as crianças vão lhe mostrar o que as agrada e é importante que o professor a encoraje na construção de um ritmo primeiro, usando o bater de mãos e pés. Já os bebês respondem a ritmos e pulsos naturalmente desde muito pequenos, para eles é importante usar gestos claros e simples para ajudar na comunicação e abusar do contato visual e expressões faciais. Se envolva o máximo possível, pois muitas crianças surdas aprendem ao assistir e fazer. Esteja sempre ativo, ande pela sala, siga os ritmos e mude a velocidade com frequência para deixar a aula mais interessante. Escutar música de maneira informal como por um reprodutor de música pessoal ou um rádio no quarto, pode ser algo que apareça naturalmente durante a idade escolar.

CONCLUSÃO

            Ao longo deste trabalho, busquei apresentar as mudanças que ocorreram na relação entre os surdos e a música, relação esta que no início de sua história era ignorada por se acreditar que o surdo não possuía meio algum de se interagir com a atividade musical, mas que, com a aceitação do indivíduo surdo na sociedade, vem sendo desenvolvida há pelo menos um século e meio.

            Apresentei as características de diferentes tipos de surdez e algumas soluções, como o implante coclear e sua implicação dentro da sociedade onde o surdo vive, além de termos a oportunidade de perceber que não é a língua de sinais que os tornam uma comunidade, mas seus costumes e sua arte.

            Adquiri a consciência de que o surdo, assim como qualquer ouvinte, sente a necessidade de se expressar através desta mesma arte e não tem por que não o fazer através da música, sendo esta, um complemento a LIBRAS, método pelo qual se expressam.

            Neste trabalho, também mostro algumas formas práticas do trabalho de música com o surdo que incluíram, principalmente, os sentidos da visão e do tato (através da vibração e da percussão) que, assim como nos próprios ouvintes, complementam a falta da audição. Também, intimamente associado a estes dois sentidos, a movimentação do corpo faz com que a vivência musical do surdo seja mais rica tanto para trabalhar desde a musicalização a apreciação musical, quanto para se trabalhar com a utilização do canto e de instrumentos musicais de acordo com a sua preferência e, dentro destes contextos, o surdo ainda pode fazer música sozinho ou em conjuntos pequenos ou grandes.

            Percebi, na percussão corporal, uma atividade que engloba todos os requisitos que parecem ser necessários para uma eficaz aprendizagem de música ao surdo; toda a movimentação visual e as batidas no corpo que geram vibração e proporcionam experiências através do tato, se apresentam como atividades perfeitas para a aprendizagem musical destes indivíduos; esse trabalho do ritmo, dentro da percussão corporal, também pode se apoiar em uma base teórica musical para que a leitura sirva como mais um suporte visual no desenvolvimento de sua musicalidade.

            Seguindo estes pontos de vistas, conseguimos traçar um paralelo entre os métodos criados por Dalcroze, Orff, Kodály e Suzuki e no capítulo 3.3, discorremos sobre a adaptação destes métodos no ensino de música para surdos, e isso, abre um leque maior ainda de possibilidades de trabalho com esses alunos, utilizando-se de métodos vastamente conhecidos.

            Diante de todos estes esforços e atividades para ensinar música ao surdo,  conclui que são muitos os benefícios que a música pode lhe trazer, tanto de forma individual no que se diz a aspectos prático-racionais como: melhora na capacidade de concentração, raciocínio lógico, expressividade corporal, estimulação da leitura labial, desenvolvimento de uma fala ritmada; aspectos psicológicos e emocionais: melhora da autoestima e auto imagem, motivação, etc; quanto para a sua convivência social: engajamento com a comunidade, melhor adaptabilidade à convivência com os ouvintes, introdução ao mundo sonoro, etc.

            A inclusão escolar é parte fundamental para o desenvolvimento do aluno surdo, e o professor deve estar preparado para receber este aluno com os métodos que forem necessários. A escola é uma forma de organização da sociedade e esta deve se adequar e se modificar para que o surdo se sinta respeitado em seus direitos, neste caso específico, o direito de aprender música como qualquer ouvinte. Através da música o surdo tem mais um meio pelo qual pode se expressar e desfrutar das emoções por ela proporcionadas, além de poder também, através dela, se sentir parte de um grupo maior.

            O que é necessário, de modo geral, é dar-se importância e acreditar na capacidade do surdo em apreciar e praticar a música, uma vez que já temos subsídios teóricos (além da própria experiência dos surdos) que nos mostram que essa participação nas atividades e manifestações musicais, além de lhes proporcionar prazer, também pode beneficiá-los muito tanto pessoalmente como na convivência em sociedade.

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[1]Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 09 de set. de 2013.

[2]     O termo “universo social” é utilizado por Santana e Bergamo (2005, p. 570) como definição da sociedade majoritariamente ouvinte. É citado após a descrição de uma entrevista feita com dois surdos refazendo o caminho que se inicia no isolamento para o engajamento social.

[3]     Lista disponível em: http://culturasurda.net com catálogo de artistas surdos contemporâneos criado e mantido por H. Hein e segundo o próprio autor é “um espaço para a partilha e promoção de produções culturais relacionadas a comunidades surdas de diferentes países no mundo”. Acesso em: 15 set. 2013.

[4]     Pequeno dispositivo eletrônico complexo que fornece uma sensação do som às pessoas com surdez profunda ou graves problemas de audição. Consiste em uma parte externa colocada na parte de trás da orelha e uma segunda parte que é cirurgicamente implantada por baixo da pele (ficha técnica do U.S Department of Health &  Human Services. Cochlear Implants  Publicação NIH nº 11-4798, Bethesda: mar. 2011, p. 1).

[5]     Informação segundo o Hospital Univesitário Bettina Ferro de Souza (Belém, PA) Disponível em <http://www.bettina.ufpa.br/index.php?view=article&id=632:ministerio-da-saude-amplia-cirurgia-de-implante-coclear-no-bettina > Acesso em 16 set. 2013.

[6]     Intervalo menor que um semitom, entre dois sons

[7]     Reportagem Profissão Repórter – 04/10/10 – Balada dos Surdos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=mUBmW8LoULU>. Acesso em: 29 de agosto de 2013.

[8]     Tipo de audição que o surdo utiliza para identificar mensagens verbais utilizando resíduos auditivos em conjunto com a leitura labial.(ROSS, Mark. Hearing Rehabilitation Quarterly: Maximizing Residual Hearing.  1995. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON EDUCATION FOR THE DEAF, 18. , 1995, Tel Aviv, Israel: 1995).

[9]     Biografia de Evelyn Glennie disponível em seu site: http://www.evelyn.co.uk/biography.html. Acesso em: 27 set. 2013.

[10]    Entrevista com Sean Chandler disponível em: http://www.bbc.co.uk/programmes/p00fk44g. Acessado em: 27  set. 2013.

[11]    Biografia disponível em: http://www.ruthmontgomery.co.uk/?page_id=79 . Acessado em 27 set. 2013

[12]    Site oficial da banda, disponível em: http://www.beethovensnightmare.com/#!about-us/c10fk. Acessado em: 27 set. 2013.

Maria Amélia Pinto Silva Contrera – Curso em Piano pelo Conservatório Estadual de Música J.K.O. de Pouso Alegre; Graduada em Licenciatura em Música com habilitação em Piano; Pós graduada em Musicalização Infantil; Diretora da Espaço Musical Vivace, Pouso Alegre.

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