Construção de desenho metodológico para estimulação musical em pacientes com Alzheimer

O presente artigo visa trazer considerações e levantamentos sobre a doença de Alzheimer. Explana o modo como ela se comporta, sua evolução e a utilização da música como forma de deixar a vida desses pacientes mais harmoniosa, buscando caminhos de ajudar no retardo dessa doença.Em seu livro “A Música e o Cérebro”, Oliver Sacks escreve que a música pode “acordar a alma escondida e evocar respostas pessoais de memória, associações, sentimentos, imagens, a volta do pensamento e da sensibilidade”. Sabemos que estudar música é a melhor “musculação para o cérebro” seguida da meditação e de atividade física. O intuito desse trabalho é trazer alguma contribuição através da estimulação musical em pacientes em todos os níveis da doença, elevando o nível do diálogo com a Neurociência e com a educação musical.Se trata de um estudo investigativo e experimental de como a música pode ajudar pacientes acometidos da doença a ter uma vida mais saudável, reforçando suas memórias recentes e mantendo as memórias passadas. O foco inicial está em manter e treinar as memórias recentes, visto que são as primeiras a serem perdidas.

 

Palavras-chave: Alzheimer.  Estimulação Musical. Neurociência. 

 

INTRODUÇÃO

Será desenvolvido um estudo experimental que testará exercícios musicais de repetição com o intuito de trazer memórias recentes que foram perdidas.A proposta é usar uma fórmula rítmica simples que será incorporada na melodia das músicas preferidas dos pacientes. Os encontros passarão a se dar como forma de aula de musicalização. O objetivo desse estudo é investigar se o estímulo da memória musical pode ajudar no resgate das memórias.As memórias explícitas ou declarativas são aquelas que armazenam fatos e sua aquisição está associada à plena intervenção da consciência. A partir delas, podemos relatar situações cotidianas, como as conversas do dia anterior, ou precisar acontecimentos históricos. (LOMBROSO, 2004). Sabe-se que a parte do cérebro responsável pela memória é o hipocampo e a amígdala. O Hipocampo recebe às informações e às transmite para o córtex cerebral que às armazena. Para que memórias sejam evocadas precisa haver conexão entre os neurotransmissores (neurônios), pacientes com Alzheimer começam a perder neurônios.

 

O hipocampo e a amígdala estão interligados entre si e recebem informação de todos os sistemas sensoriais: em parte provenientes do córtex, e, em parte, de forma inespecífica quanto à modalidade sensorial, desde a formação reticular mesencefálica. O hipocampo e a amígdala projetam ao hipotálamo, e, através deste, ao tálamo e, finalmente, ao cortéx (GREEN, 1964, p. 561-608; GRAY, 1982).

 

O estudo visa buscar uma integração entre a neurociência e a música no sentido de usar a música como forma de resgate das memórias desviadas, fazendo com que ela acesse regiões do cérebro que já não são mais estimuladas. Segundo Blood (et al., 1999, apud CORREIA, 2010, p.28),“A música tem a propriedade de evocar fortes emoções. Essa propriedade é particularmente curiosa porque, diferentemente de outros estímulos que evocam emoção, tais como o olfato, o paladar ou a expressão facial, a música obviamente não tem valor biológico, ou de sobrevivência”.

A formação ou não de uma memória depois de um determinado evento ou experiência, sua resistência à extinção, à interferência e ao esquecimento, dependem de quatro fatores: seleção, consolidação, incorporação de mais informação, formação de registros ou “files”. (IZQUIERDO, 2002). Portanto o objetivo será formar novas conexões neurais para que através da seleção, consolidação, revisão de informações já adquiridas, mas que foram extintas por conta da doença seja possível rearmazenar esses registros.Essa junção pode se tornar uma parceria de sucesso que traga uma nova perspectiva para o tratamento.

 

TIPOS DE MEMÓRIAS

A memória de pacientes com Alzheimer é muito afetada e nela se encontram suas histórias, sentimentos, lembranças, emoções. Quando esses pacientes se veem sem suas lembranças é como se um pedaço de suas vidas lhes fosse tirado. Além de a memória estar ligada à nossa identidade pessoal ela também está relacionada ao aprendizado.

A memória “é o processo pelo qual aquilo que aprendemos perdura no tempo”. Assim sendo, a aprendizagem e a memória estão intimamente relacionadas (Squire, Kandel, 2002).

Segundo IZQUIERDO (2002, apud CORREIA, 2010, p.20) “A memória consiste na aquisição, formação, conservação e evocação de informações”. Classificando à memória de acordo com seu conteúdo nós temos: memórias explícitas ou declarativas que se subdividem em: semânticas e episódicas. Por outro lado temos as memórias implícitas ou não declarativas que se subdividem em: procedurais, condicionamento, hábitos e priming.

Atualmente se sabe então que existem vários tipos de memória, que diferentes estruturas cerebrais realizam diversas funções e que a memória é codificada em células nervosas individuais e depende de alterações na intensidade das suas ligações (Squire, Kandel, 2002).

As declarativas são as que registram fatos, eventos ou conhecimento, pois podemos relatá-los. Estas, por sua vez, podem ser episódicas e semânticas. As episódicas se referem a eventos que assistimos e/ou participamos. As memórias episódicas são autobiográficas. Já as semânticas relacionam-se ao conhecimento adquirido. As memórias procedurais são aquelas envolvidas com as memórias de capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais, geralmente conhecidas como “hábitos”. Tanto as memórias declarativas como as procedurais podem ser divididas em memórias implícitas e explícitas. As explícitas são as adquiridas com a intervenção da consciência, enquanto as implícitas são geralmente adquiridas de forma automática, sem que o indivíduo perceba. Trata-se de uma memória que é recordada inconscientemente. Envolve o treinamento de atividades reflexas motoras ou perceptuais (Kandel et al., 2003).

O foco desse estudo será desenvolver um trabalho cuja ênfase seja aplicar exercícios para as memórias episódicas visto que são estas memórias que fazem parte da identidade dos pacientes. Segundo IZQUIERDO(2002), “Para que haja um perfeito funcionamento das memórias episódica e semântica, em qualquer uma das fases, é necessária uma boa memória de trabalho e, consequentemente, um bom funcionamento do córtex pré-frontal” (apud, CORREIA, 2010, p.21).

Ainda conforme IZQUIERDO(2002), “A memória de trabalho está classificada segundo a sua função, que é a de manter, durante alguns segundos, ou no máximo alguns minutos, a informação que está sendo processada. É conhecida também como memória imediata e diferencia-se das demais, por não produzir arquivos. No entanto, tem um papel “gerenciador”, o que significa determinar se qualquer informação recebida é nova ou não, e em último caso, se é necessária ou não, devendo acessar rapidamente as memórias preexistentes do indivíduo” (apud, CORREIA, 2010, p.21).

Esse tipo de memória é processado fundamentalmente pelo córtex pré-frontal (Izquierdo, 2002; Gil, 2003). Alan Baddeley enfatizou que vários componentes da memória verbal e não-verbal são controlados por uma função executiva central, e os lobos frontais possuem um papel decisivo nesse processo (citado por Sternberg, 2000).

Resgatando memórias

Para desenvolver esse estudo será abordado a forma como a doença aparece, o que acontece com o cérebro de pacientes com Alzheimer e os possíveis tratamentos para ajudar a retardar o avanço dessa doença.

Sob uma perspectiva da neurociência, o estudo da música mostra-se valioso, por explorar uma variedade de funções cognitivas complexas e seus substratos neurais. Sob o ponto de vista psicológico, ouvir e compor música envolvem uma mistura de praticamente todas as funções cognitivas humanas. Mesmo uma atividade aparentemente simples, como ouvir um intenso som familiar, requer mecanismos de processamento auditivo complexo, atenção, armazenamento na memória, entre outros (Zatorre, McGill, 2005).

Visto a importância do estudo da música nas funções cognitivas complexas, será proposto um trabalho com técnicas diferentes que usadas de forma simultânea poderá trazer algum sinal de melhora no tratamento dos pacientes com Alzheimer. Começarei através de uma entrevista com os pacientes e familiares para listar músicas que fizeram parte da vida desses pacientes ao longo de sua trajetória. Quando não for possível esse levantamento, será feita uma pesquisa para saber quais eram as músicas mais famosas da época de acordo com a data de nascimento e idade dos pacientes. Além do repertório de vida deles, farei um levantamento de questões para saber informações básicas e fatos marcantes ao longo da vida que foram perdidos. Os encontros se darão de forma individual. No primeiro contato será feito um diálogo e após este serão colocadas algumas músicas para que se possa observar a reação do paciente/aluno perante músicas que fizeram parte de sua história. Após esse primeiro levantamento, será desenvolvido uma fórmula rítmica simples que será incorporada na melodia das músicas preferidas e os encontros passarão a se dar como forma de aula de musicalização.

Eles repetirão os padrões rítmicos e falarão as frases de acordo com a frase melódica escolhida. Esse processo será repetido ao longo das semanas, sendo que as atividades serão alteradas melodicamente e ritmicamente, assim como as frases serão trocadas. Outras dinâmicas serão incorporadas de acordo com o avanço de cada aluno.

É importante lembrar que o material que lembramos nunca é o mesmo que fixamos, pois ele sofre alterações no processo de conservação, pois cada indivíduo acrescenta características pessoais aos elementos armazenados (Pantano e Assencio-Vicente, 2009).

A dúvida que fica é: Até que ponto a memória de procedimento se fará efetiva? Essa é uma questão para ser respondida através do experimento visto que a memória de procedimento ou memória implícita armazena dados de acordo com atividades que seguem o mesmo padrão.

As memórias adquiridas em estado de alerta e com certa carga emocional ou afetiva são melhor lembradas que as memórias de fatos inexpressivos ou adquiridas em estado de sonolência. Os estados de alerta, afetivos e emocionais se acompanham da liberação de hormônios periféricos e neurotransmissores centrais. Várias dessas substâncias afetam a memória. Numerosos experimentos com drogas que liberam, mimetizam ou bloqueiam sua ação demonstraram que as mesmas não atuam durante a aquisição, senão no período imediatamente posterior, afetando a consolidação (McGAUGH, 1988; IZQUIERDO et al., 1988a; IZQUIERDO e PEREIRA, 1989; IZQUIERDO, 1989).

 O fato de a música estar tão ligada às emoções pode facilitar que o cérebro se reconecte com memórias perdidas ao longo do tempo. No caso de demências cerebrais essa válvula afetiva pode ser acionada e surpreender trazendo à tona recordações vividas que foram marcantes e tiveram a música como base para fixação desses episódios.

A grande questão é: o experimento visa trabalhar como forma de repetição para recuperar memórias recentes e retorno de memórias perdidas através de repertório significativo. Porém essa memória adquirida precisa se tornar consciente e pode ser que a repetição usada com os mesmos padrões vire uma coisa automática que condicione o cérebro a repetir, mas que o paciente continue sem saber o significado de tal repetição.

Como explica Izquierdo:

As memórias são também muito mais sensíveis à incorporação de informação adicional nos primeiros minutos ou horas após a aquisição. Essa informação pode ser acrescentada, tanto por substâncias endógenas liberadas pela própria experiência — bendorfina, adrenalina, etc. — (IZQUIERDO, 1984, p. 65-77; IZQUIERDO, 1989), como por outras experiências que deixam memórias (LOFTUS e YUILLE, 1984; CAHILL et al., 1986; IZQUIERDO et al., 1988 a,b; IZQUIERDO, 1989).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O tema deste trabalho é de extrema importância visto que a DA cresce cada vez mais e a população afetada por essa doença tende a aumentar consideravelmente. Foram levantados temas relevantes ao logo do trabalho que precisarão ser testados para que seja possível prosseguir com a pesquisa a níveis mais abrangentes.Essa pesquisa se trata de um experimento que teve o seu próprio método experimental desenvolvido. É importante deixar claro que é algo totalmente experimental e terá seus levantamentos e conclusões feitos para complementar o artigo e poder avançar para novas etapas do processo de uma possível reabilitação na memória de pacientes com doença de Alzheimer (DA). O objetivo final deste trabalho é responder a todas as questões levantadas ao longo do projeto, podendo testar os exercícios e analisar o processo de reabilitação em pacientes acometidos da DA.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Sacks O. Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras; 2007. 352 p.

 

Izquierdo, I. (2011). Memória (2. ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.

 

DOIDGE, Norman. O cérebro que cura. Tradução de Clóvis Marques. Revisão técnica de Jean-Cristophe Houzel. 1ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2016.

 

SOUSA, A. B.; SALGADO, T. D. M. Memória, aprendizagem, emoções e inteligência. Revista Liberato, Nova Hamburgo, v.16, n.26. 2015.

 

CORREIA. C. M. F. Funções musicais, Memória musical-emocional e volume amigdalino na doença de Alzheimer. p.179. São Paulo, 2010.

 

Lunara Pliny Cardoso – Bacharel em Piano; Licenciada em Educação Artística com habilitação em Música, Pós Graduada em Neuroeducação Musical; Proprietária do Centro Musical LP em Brasília.

 

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